Parte 3 – Condição#
A condição é o professor espiritual.
Capítulo 3 – Atender um professor espiritual#
Sobre isso (“a condição é o professor espiritual”), mesmo com um suporte excelente, sem ser impulsionada por um professor espiritual, que é a condição, é difícil adentrar o caminho da iluminação, devido ao cultivo prévio de ações negativas e ao poder de padrões habituais incrustados. Assim, é preciso atender um professor espiritual. O resumo disso é:
Justificativa, tipos, características de cada tipo,
como atender e benefícios.
A associação com um mestre
se resume nesses cinco pontos.
1. Justificativa#
O porquê da necessidade da associação com um mestre espiritual se divide em três pontos: base nas escrituras, lógica e exemplos.
Sobre a base nas escrituras, o Sumário da Perfeição da Sabedoria menciona:
Estudantes excelentes que se devotam a seus mestres
sempre aprendem com esses hábeis professores.
Por quê? As qualidades de pessoas sábias surgem daí.
O Sutra da Perfeição da Sabedoria em Oito Mil Versos também afirma:
Assim, bodisatvas mahasattvas que desejam a insuperável, perfeita e manifesta realização da iluminação, em primeiro lugar, devem se associar com um professor espiritual, servi-lo e venerá-lo.
A proposição lógica disso é a seguinte. (Sujeito:) a pessoa que deseja realizar a onisciência (predicado:) deve atender um mestre espiritual, (razão:) porque por si mesma ela não sabe como realizar as acumulações e purificar obscurecimentos.
Budas dos três tempos são exemplos dessa proposição. Já pratyekabudas exemplificam o oposto dela. Isso significa que, para realizar a budeidade perfeita, todo um conjunto de mérito e sabedoria precisa ser acumulado, e o método para essa acumulação depende do professor espiritual. Também é preciso abandonar todos os obscurecimentos aflitivos e cognitivos, e o método para se livrar disso depende do professor.
Sobre os exemplos (da necessidade de um mestre), o professor espiritual é como um guia na hora em que é preciso seguir um caminho sem conhecê-lo, é como uma escolta na hora de passar por lugares perigosos, é como um barqueiro na hora de cruzar um grande rio.
Exemplo do guia#
Quando vamos seguir por um caminho desconhecido, se não houver alguém que nos guie, haverá medo sobre errar o trajeto, se desviar ou se perder. Ao ser acompanhada por um guia, não há essas incertezas: sem desperdiçar nenhum passo, chega-se ao destino.
Desse mesmo modo, após adentrar o caminho da budeidade insuperável, para seguir em direção à terra da iluminação perfeita, sem um professor espiritual Mahayana que é como um guia, pode haver a insegurança de entrar por engano em um caminho extremista, se desviar pelo caminho shravaka ou se perder no caminho pratyekabuda. Mas se houver a companhia de um mestre que é como um guia, não há incertezas sobre errar, desviar-se ou se perder: chega-se à cidade da onisciência. Sobre isso, a História de Liberação de Shri Sambhava afirma:
Um mestre espiritual é como um guia que nos conduz pelo caminho que chega até a outra margem.
Exemplo da escolta#
Em lugares perigosos, há o dano causado por ladrões, animais selvagens etc. Ao cruzá-los, se não houver proteção, há risco para o corpo, posses ou para a própria vida. Já com a escolta de um guarda poderoso, chegaremos sem nenhum problema.
Desse mesmo modo, ao adentrar o caminho da iluminação — se não houver um professor que é como uma escolta para a acumulação de mérito e sabedoria, e para prosseguirmos até a cidade da onisciência — há o risco de termos a riqueza de nossa virtude roubada pelos ladrões que, internamente, são nossos conceitos e aflições e, externamente, são as forças demoníacas ou corrompedoras. Há o risco de termos cortada a energia que nos impulsiona para destinos superiores. Sobre isso, é dito (Engajamento na Ação Bodisatva):
Esta gangue criminosa das aflições
vive em busca da chance para destruir.
Tendo oportunidade, roubam a virtude e
acabam com a energia para os reinos superiores.
Não nos separando do professor que é como a escolta, as riquezas da virtude não serão perdidas. A energia vital para os destinos superiores não será cortada, e chegamos à cidade da onisciência. Sobre isso, a História de Liberação de Shri Sambhava ensina:
O mestre espiritual protege todo o mérito
de uma pessoa bodisatva.
A História de Liberação da Praticante Leiga A__t__chala também diz:
Professores espirituais, para nós, são como uma escolta que nos protege até a chegada à esfera da onisciência.
Exemplo do barqueiro#
Ao cruzar um grande rio, se não houver um barqueiro, mesmo estando em um barco ou navio, não se chega à outra margem, e é possível se afogar ou ser carregada pelas águas. Já com um barqueiro e sua dedicação, o destino é alcançado.
Desse mesmo modo, ao cruzar o oceano do samsara, se não houver um professor espiritual que é como um barqueiro, mesmo estando na embarcação que é o Dharma sagrado, ainda é possível se afogar ou ser carregado pela existência cíclica. Sobre isso, é dito (Sadhana da Realização da Sabedoria Primordial, de Indrabhuti):
Sem um remador, o barco não chega
à outra margem. Mesmo que alguém tenha
excelência em todos os talentos,
sem um guru, a existência cíclica não tem fim.
Então, ao atender um professor que é como um barqueiro, chega-se à terra firme do nirvana, a outra margem além do oceano da existência cíclica. Nesse sentido, o Sutra da Exibição da Árvore diz:
Como o mestre espiritual traz libertação
do grande rio do samsara, ele é como um barqueiro.
Assim, é preciso atender o professor que é como um guia, escolta ou barqueiro.
2. Tipos de professores#
Há quatro tipos: o mestre espiritual que é uma pessoa comum, o mestre que é um bodisatva dos grandes bhumis1, um buda nirmanakaya e um mestre na forma sambhogakaya.
Esses tipos correspondem à condição do praticante. Alguém iniciante não tem como atender um buda ou bodisatva dos grandes bhumis, e precisa se associar com um mestre que é uma pessoa. Quando a maioria dos obscurecimentos kármicos tiver sido purificada, será possível aprender com um professor espiritual que é uma bodisatva nos bhumis. Após completar o Caminho da Acumulação2, é possível atender um mestre que é um buda nirmanakaya. Já quando se realiza o grandioso (1º) bhumi bodisatva, é possível aprender com um mestre espiritual na forma sambhogakaya.
— Entre esses quatro tipos, qual é o mais bondoso para nós?
Para nós, no início, quando estamos na cela escura do karma e aflições, se focarmos nos tipos superiores de mestres, não veremos nem seus rostos. Já ao encontrar professores que são pessoas comuns, a luz de suas palavras ilumina o caminho, possibilitando que encontremos mestres mais elevados no futuro. Portanto, a maior bondade de fato está nos mestres que são pessoas comuns.
3. Características de mestres#
Em relação às características desses quatro tipos de professores espirituais, budas exibem uma purificação perfeita, já que deixaram para trás os dois tipos de obscurecimentos. Como possuem os dois tipos de conhecimento, sua sabedoria também é perfeita.
Mestres espirituais que são bodisatvas que alcançaram os grandes bhumis possuem a sabedoria e purificação do 1º até o 10º bhumi. Em especial, bodisatvas a partir do 8º bhumi têm domínio sobre Dez Poderes para zelar por outros seres; são os poderes sobre a vida, mente, necessidades, karma, nascimento, aspiração, preces, milagres, sabedoria primordial e Dharma.
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O poder sobre a vida é a capacidade de permanecer vivo por quanto tempo for desejado.
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O poder sobre a mente é a capacidade de repousar perfeitamente em absorção meditativa (samadhi) do modo como for desejado.
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O poder sobre as necessidades é a capacidade de derramar uma chuva imensurável de bens preciosos sobre seres sencientes.
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O poder sobre o karma é a capacidade de associar um karma — que seria experimentado em determinado reino, local, tipo de existência, nascimento e condição — com outro conjunto de condições.
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O poder sobre o nascimento é a capacidade de nascer no reino do desejo mantendo estabilidade meditativa sem nenhuma degradação e, apesar desse nascimento, não ser maculada por atos negativos.
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O poder sobre a aspiração é a capacidade de transformar os elementos uns nos outros — como terra em água — conforme desejado.
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O poder sobre preces é a capacidade de criar preces de aspiração para beneficiar abundantemente a si e outros seres conforme desejado, e efetivamente realizá-las.
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O poder sobre milagres é a capacidade de demonstrar inúmeros feitos milagrosos para inspirar seres sencientes.
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O poder da sabedoria primordial é o conhecimento completo sobre o Dharma, seu significado, o sentido último das palavras e a coragem bodisatva.
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O poder sobre o Dharma é a capacidade de ensinar na medida certa e de acordo com o que for apropriado para cada ser, apresentando o Dharma e todos os diversos nomes, palavras e letras dos sutras e tudo mais, de modo que todo o conteúdo seja ouvido na língua de cada um, adequando-se à compreensão individual, e satisfazendo completamente.
Professores espirituais que são pessoas comuns têm oito características, quatro ou duas. Sobre o primeiro tipo, o texto Níveis Bodisatva afirma:
Em relação a quem tem oito características, saiba que esses mestres espirituais bodisatvas são perfeitos em todos aspectos. Quais são essas oito? Eles têm a disciplina bodisatva, conhecem a coleção de escrituras bodisatva, têm realização, tratam com amor e cuidado, têm destemor, paciência, jamais se desanimam e sabem usar as palavras.
Sobre o segundo tipo de mestre (que tem quatro qualidades), o Ornamento dos Sutras Mahayana diz:
Com vasto alcance, eliminando dúvidas,
digno de manter na memória,
ensinando as duas naturezas.
O chamado “excelente professor bodisatva” é assim.
Tendo estudado amplamente, o professor tem “vasto alcance”. Tendo grande sabedoria discriminativa, ele “elimina as dúvidas” de outras pessoas. Ao realizar as atividades dos seres sagrados, suas palavras são “dignas de manter na memória”. Ele “ensina as duas naturezas”: as características daquilo que está completamente contaminado e daquilo que foi inteiramente purificado.
Sobre o terceiro tipo de mestre (que tem duas qualidades), Engajamento na Ação Bodisatva ensina:
Mesmo com a vida em risco,
jamais abandone o professor espiritual,
que é habilidoso nos princípios Mahayana,
e possui a sublime disciplina bodisatva.
Ele conhece bem os pontos do Mahayana e mantém os votos bodisatva.
4. Como atender o mestre#
Ao encontrar um professor espiritual assim, há três maneiras de servi-lo: respeitá-lo e prestar serviço, cultivar devoção e inspirar-se nele, e praticar o Dharma com persistência.
A primeira maneira se divide em duas.
Atender respeitando o professor é fazer prostrações ao mestre, levantar-se prontamente (em sua presença), curvar-se, realizar circum-ambulações, falar na hora apropriada com uma atitude de reverência, olhá-lo e admirá-lo repetidamente com uma mente que não se satisfaz, entre outras. Isso é exemplificado pelo modo como Manibhadra, o filho do mercador, servia seu professor espiritual. O Sutra da Vasta Exibição afirma:
Olhe o mestre espiritual com uma mente insaciável. Por que fazer isso? Professores espirituais são raros de ver, surgem raramente e encontrá-los é raro.
Atender prestando serviço é atender o mestre espiritual em conformidade com o Dharma, em suas necessidades de alimentação, de vestimenta, cama, assento, de remédios quando estiver doente, de bens, provisões e tudo mais, desconsiderando o próprio corpo e até sob risco de morte, do modo como o eminente Sadprarudita servia seu professor, por exemplo. É dito na História de Liberação de Shri Sambhava:
Sobre a iluminação da budeidade, ela é obtida servindo o mestre espiritual.
A segunda maneira (a__tender o professor inspirando-se nele e cultivando devoção) refere-se a percebê-lo como um buda, não agir contra suas instruções e cultivar inspiração, devoção e fé — por exemplo, do modo como o grande pandita Naropa servia seu mestre espiritual. A escritura Mãe dos Vitoriosos menciona:
Dê nascimento à reverência intensa por seu mestre, valorize-o, tenha confiança completa e pura.
Além disso, o professor espiritual é experiente em meios hábeis para sua conduta. Sobre ela, abandone ideias enganadas e gere um respeito especial. Isso é exemplificado na história de liberação do Rei Anala3.
A terceira maneira (a__tender o mestre com a prática e persistência) se refere a aplicar-se em receber o Dharma do professor, contemplar e meditar, fazendo isso com persistência. Essa é a maneira sublime de agradar ao mestre espiritual. Sobre isso, o Ornamento dos Sutras Mahayana diz:
A pessoa que pratica o ensinamento conforme ensinado
agrada perfeitamente a mente do professor.
Ao deleitar o mestre espiritual, a budeidade é realizada. A História de Liberação de Shri Sambhava menciona:
Quando o professor espiritual se satisfaz, a iluminação de todos os budas é realizada4.
Sobre receber ensinamentos do mestre espiritual, isso é feito em três etapas: preparação, parte principal e conclusão. A preparação é ter boditchita ao fazer a solicitação. Durante a parte principal, cultive a percepção de si como alguém doente; do dharma, como sendo o remédio; do mestre, como o médico; e da prática dedicada do Dharma como a maneira de curar completamente a doença. A conclusão é abandonar as falhas de ser como um pote virado para baixo, furado ou contaminado com veneno5.
5. Benefícios#
Sobre os benefícios da associação com um mestre espiritual, a História de Liberação de Shri Sambhava diz:
Ó criança de eminente descendência, a pessoa bodisatva que foi completamente aceita por um mestre espiritual não cai nos reinos inferiores. Uma bodisatva que tem a proteção completa de um mestre espiritual não cai na influência de amizades negativas. Um bodisatva que é perfeitamente nutrido por um mestre espiritual não dá as costas ao Dharma Mahayana. Uma bodisatva que foi completamente aceita por um mestre espiritual transcende perfeitamente a condição de seres ordinários.
A escritura Mãe dos Vitoriosos menciona:
Uma pessoa bodisatva com bravura espiritual guerreira que foi completamente aceita por um mestre rapidamente realiza a budeidade perfeita.
Este foi o “Capítulo 3 – Atender um professor espiritual”, do Ornamento da Liberação Preciosa, o Dharma Sagrado que é Como Uma Joia que Realiza Desejos.
1 Os bhumis ou níveis bodisatva são explicados no “Capítulo 19”.
2 Os Cinco Caminhos são explicados no “Capítulo 18”.
3 O bodisatva Sudhana inicialmente duvidou das qualidades do Rei Anala, cuja conduta aparente era controversa. Depois, percebeu que se tratava de um verdadeiro mestre bodisatva.
4 Um mestre genuíno só irá se satisfazer plenamente quando a estudante aperfeiçoar completamente a prática.
5 Essas falhas se referem respectivamente a não ser receptiva ao Dharma, não retê-lo e misturá-lo com aflições.