Capítulo 15 – Perfeição da diligência#
O resumo da perfeição da diligência1 é:
Reflexão sobre as falhas (de não ter)
e os seus benefícios, essência, tipos,
características de cada tipo, como expandir,
como torná-la pura e resultado. Estes sete pontos
resumem a perfeição da diligência.
1. Falhas da ausência de diligência e os seus benefícios#
Explicando o primeiro ponto, alguém que tenha generosidade e tudo mais, sem diligência, terá indolência2. Com indolência, a virtude não é praticada, não há capacidade para o benefício alheio e a iluminação não é realizada. Sobre isso, o Sutra Solicitado por Sagaramati afirma:
A pessoa indolente não tem desde generosidade até sabedoria, não faz nada que beneficie outros seres e está extremamente longe da iluminação.
Com o contrário disso, que é a diligência, todas as qualidades positivas deixam de ser obscurecidas e ainda multiplicarão. Nesse sentido, o Sumário da Perfeição da Sabedoria ensina:
Através da diligência, não haverá obscurecimento de qualidades positivas e será encontrado o tesouro do Vitorioso: a sabedoria primordial sem limites.
Fora isso, com diligência, há habilidade para transcender a montanha dos agregados transitórios3. Assim, o Ornamento dos Sutras Mahayana menciona:
Por meio da diligência, os agregados transitórios são transcendidos e há liberação.
Além do mais, com diligência, a iluminação insuperável é rapidamente realizada. Sobre isso, o Ornamento dos Sutras Mahayana diz:
Através da diligência, a iluminação sublime é realizada.
O Sutra Solicitado por Sagaramati também ensina:
Por meio do compromisso com a diligência, não há dificuldades para a iluminação genuína e perfeita. Por que isso? Sagaramati, onde há diligência, há iluminação.
E o Sutra Solicitado por Purna afirma:
Para quem sempre aplica diligência,
a iluminação vem sem dificuldades.
2. Essência da diligência#
A essência da diligência é o entusiamo na virtude. Nesse sentido, a Compilação do Abidharma afirma:
“O que é diligência?” É o antídoto para a indolência, pois é a mente que genuinamente se deleita na virtude.
E o Comentário do Ornamento dos Sutras menciona:
“Entusiasmo perfeito com a virtude” é sua essência.
Além disso, sobre a diligência ser “o antídoto para a indolência”, que é o contrário dela, há três tipos: a indolência da preguiça, do desânimo e a indolência de atividades inferiores.
Indolência da preguiça#
A indolência da preguiça é o apego ao conforto da ociosidade — como deitar-se, descansar, dormir etc — e isso deve ser abandonado.
— Por que abandonar essas coisas?
Porque não há tempo para isso nesta vida, assim como afirma o Ornamento dos Sutras Mahayana:
Monges, a mente ficará turva, a vida será interrompida, o impulso de viver será abandonado. Se até o ensinamento do Professor desaparecerá, como não praticar com diligência e firme atitude?
Engajamento na Ação Bodisatva acrescenta:
Já que morrerá em breve,
até lá, realize as acumulações.
Alguém poderia imaginar:
— É possível realizar as acumulações na hora da morte?
Quando chegar a hora, não haverá oportunidade para acumular (mérito e sabedoria), assim como é dito (nesse texto):
Quando chegar o momento,
já não será mais a hora de descartar
a indolência. Então, o que você fará?
— Mas não vou morrer antes de completar as virtudes.
Essa confiança é falsa, conforme é ensinado (nesse texto):
Não há como confiar na morte.
Independente de termos nos purificado ou não,
ela não espera. Na saúde ou doença,
ninguém pode contar com esta vida fugidia.
— Então como abandonar a indolência da preguiça?
Abandone-a do mesmo como alguém se livra de uma cobra que aparece no colo ou como alguém extingue as chamas no próprio cabelo. Sobre isso, o texto Engajamento na Ação Bodisatva afirma:
Então, do mesmo modo que saltaríamos longe
caso uma cobra aparecesse no colo,
quando a sonolência e a indolência surgirem,
imediatamente as rechace.
E Carta a um Amigo diz:
Se os cabelos ou roupas de repente pegam fogo,
todo possível é feito para evitar isso.
Do mesmo modo, esforce-se na atividade
para se libertar da existência cíclica
— não há nada mais importante que isso.
Indolência do desânimo#
A indolência do desânimo é a atitude desencorajada que pensa: “Alguém inferior como eu, mesmo que me esforce, não realizarei a iluminação.” Já que tal desânimo é desnecessário, essa indolência deve ser abandonada.
— Por que o desânimo é desnecessário?
Isso é como explicado (em Engajamento na Ação Bodisatva):
Até moscas, mosquitos, abelhas,
vermes e quaisquer outros,
ao cultivarem a força da diligência,
realizarão a sublime e rara budeidade.4Alguém como eu, nascida na linhagem humana,
que reconheço o que beneficia e o que prejudica,
se eu não rejeitar a conduta bodisatva,
como não realizaria a budeidade?
Indolência de atividades inferiores#
A indolência de atividades inferiores é o apego a desvirtudes como vencer inimigos, acumular bens materiais etc. Já que ela é a causa substancial do sofrimento, deve ser abandonada.
3. Tipos de diligência#
Há três tipos: diligência da armadura, diligência da aplicação e diligência insaciável. A primeira é uma intenção excelente, a segunda é a aplicação excelente e a terceira é o aspecto de consumação dessas duas.
4. Características de cada tipo#
As características de cada uma delas serão explicadas.
Diligência da armadura#
A diligência da armadura é vestida através da atitude que considera: “De agora em diante, até que todos os seres sencientes sejam guiados à iluminação suprema, não dispensarei a diligência na virtude.” Nesse sentido, a Coleção de Escrituras de Bodisatvas menciona:
Shariputra, use essa armadura inconcebível: até o fim do samsara, qualquer que seja a duração, não afrouxe a diligência para a iluminação.
O Sutra que Demonstra o Estabelecimento da Armadura também ensina:
Para proteger seres sencientes,
bodisatvas devem usar uma armadura.
Já que não há limite para os seres,
não há limite para o uso dessa armadura.
E o eminente Sutra de Akshayamati afirma:
Não busque a iluminação contando as eras cósmicas assim: “Nesta era, vou usar a armadura; mas naquela, não”. Vista a armadura infinita.
O texto Níveis Bodisatva diz:
“Se, para libertar um único ser senciente do sofrimento, eu tenha que permanecer milhares de eras exclusivamente no inferno, isso me entusiasma de verdade, independentemente da duração ser longa ou curta, do sofrimento ser grande ou pequeno.” Pensar assim é a armadura bodisatva da diligência.
Diligência da aplicação#
Há três aplicações da diligência: atividades diligentes em abandonar aflições, em realizar virtude e em beneficiar seres sencientes.
Abandonar aflições#
Aflições como o desejo e outras, e os atos motivados por elas, são a raiz do sofrimento. Portanto, o primeiro tipo é a aplicação duradoura da diligência especificamente para esmagar as aflições e fazer com que não surjam. Nesse sentido, Engajamento na Ação Bodisatva afirma:
Ao permanecer dentro do círculo das aflições,
estabeleça perseverança de muitas formas.
Como um leão em meio a lobos,
não deixe o grupo de aflições atacar.
— Qual é o exemplo para essa perseverança?
É assim como é ensinado (nesse texto):
Pessoas com a disciplina bodisatva se concentram
com o mesmo cuidado de alguém carregando
um pote cheio de óleo, ameaçada de morte
com a lâmina no pescoço, caso haja um respingo.
Realizar virtude#
O segundo tipo é a diligência em realizar virtude: a dedicação nas Seis Perfeições que deixa em segundo lugar o corpo ou até a própria vida.
— Como é essa dedicação?
É preciso se dedicar em cinco aspectos: as diligências contínua, devotada, inabalável, irreversível e sem orgulho.
A diligência contínua é a aplicação que não é interrompida, como diz o Sutra da Nuvem de Joias:
Já que toda a conduta de uma pessoa bodisatva envolve a aplicação da diligência, de um modo que não há cansaço corporal ou mental, isso é chamado de “diligência bodisatva constante.”
A diligência devotada atua prontamente, com alegria e entusiasmo, assim como é ensinado (Engajamento na Ação Bodisatva):
Para completar então sua tarefa,
mergulhe na ação bodisatva,
como um elefante atormentado pelo
sol do meio dia mergulha ao encontrar um lago.
Diligência inabalável é não se abalar com todos os infortúnios causados pelos próprios pensamentos, aflições e sofrimentos.
Diligência irreversível é não voltar atrás ao presenciar a violência alheia, crueldade, brigas, visões degeneradas etc, assim como é exemplificado no eminente Sutra da Bandeira Vajra da Vitória.
Aplicar diligência sem orgulho é não ter uma atitude que se considera superior.
Beneficiar seres sencientes#
O terceiro tipo (da diligência da aplicação) é a diligência nos atos que beneficiam seres: dedicar-se nas 11 atividades5, como ajudar pessoas que não têm ajuda etc.
Estas foram as explicações da diligência da aplicação.
Diligência insaciável#
A diligência insaciável é o esforço na virtude, que não se satisfaz até a realização da iluminação, assim como é ensinado (Engajamento na Ação Bodisatva):
Se jamais nos sentimos saciados em nossos desejos,
que são como mel na lâmina de uma faca,
como poderíamos achar que basta de mérito,
que amadurece como bem-estar e paz?
5. Como expandir a diligência#
A diligência é expandida com sabedoria primordial, prajna e dedicação, conforme já explicado (sobre a generosidade).
6. Como torná-la pura#
A diligência se torna pura quando praticada com a visão da vacuidade e compaixão, conforme já mencionado (em relação à generosidade).
7. Resultado#
Os frutos da diligência devem ser entendidos como dois: o resultado final e o provisório.
O resultado final é a realização da iluminação insuperável, como é mencionado em Níveis Bodisatva:
Bodisatvas com o objetivo de completar perfeitamente a transcendência da diligência realizaram genuinamente a iluminação perfeita e completa, realizam a iluminação perfeita e completa, ou realizarão a iluminação perfeita e completa.
O resultado provisório é a obtenção de conforto supremo na existência, enquanto a pessoa permanecer no samsara. Sobre isso, o Ornamento dos Sutras Mahayana afirma:
Através da diligência, todos os desejos na existência são realizados.
Este foi o “Capítulo 15 – Perfeição da diligência”, do Ornamento da Liberação Preciosa, o Dharma Sagrado que é Como Uma Joia que Realiza Desejos.
1 Aqui, o significado de “diligência” (tib.: brtson ‘grus) é esforço com alegria, no sentido de que há deleite e regozijo em tal dedicação. Não se trata de um esforço sofrido e pesaroso, que é encarado como uma obrigação.
2 “Indolência” (tib.: le lo) aqui significa inatividade, preguiça e procrastinação, ou seja, a atitude em que não há disposição para praticar o Dharma.
3 “Agregados transitórios” é uma abreviação de “visão dos agregados transitórios”, que se refere a considerar os Cinco Agregados de corpo e mente (em conjunto ou isoladamente) como sendo o eu. Isso dá origem a todas as visões enganadas; então é algo imenso como uma montanha.
4 Esta estrofe resume uma passagem do Sutra Solicitado por Subahu, sobre a natureza buda que todos os seres sencientes possuem e que começa a despertar quando há o encontro com budas e bodisatvas.
5 Essas 11 atividades estão listadas no “Capítulo 13 | 4. Características de cada tipo | Disciplina de beneficiar seres”.