Skip to content

Introdução à Essência Tathagata#

3º Karmapa, Rangjung Dordje

Títulos de seções e notas baseadas no comentário de Djamgon Kongtrul
(de bzhin gshegs pa’i snying po bstan pa’i bstan bcos kyi
rnam ‘grel rang byung dgongs gsal)


1. Título#

༄༅། །དེ་བཞིན་གཤེགས་པའི་སྙིང་པོ་བསྟན་པ་ཞེས་བྱ་བའི་
བསྟན་བཅོས་ཞེས་བྱ་བ་བཞུགས་སོ། །

Tratado sobre a introdução à essência tathagata.

2. Reverência#

སངས་རྒྱས་དང་བྱང་ཆུབ་སེམས་དཔའ་ཐམས་ཅད་ལ་ཕྱག་འཚལ་ལོ།

Reverencio todos budas e bodisatvas.

3. Breve introdução com citações de escrituras#

3.1. Citação do Abhidharmasutra#

།ཐོག་མེད་གྱུར་ཀྱང་ཐ་མ་དང་ལྡན་པ། །རང་བཞིན་གྱིས་དག་རྟག་པའི་ཆོས་ཅན་ནི། །ཐོག་མེད་སྦུབས་ཀྱིས་བསྒྲིབས་ཕྱིར་མི་མཐོང་སྟེ། །དཔེར་ན་གསེར་གྱི་གཟུགས་ནི་སྒྲིབ་པ་བཞིན། །ཞེས་གསུངས་སོ།

“Embora sem começo, (o samsara) tem um fim,
(já a essência) naturalmente pura
consiste em qualidades permanentes1.
Encoberta desde um tempo sem início, ela não é vista,
como no exemplo de uma estátua de ouro coberta.”

1 São “permanentes” no sentido de que essa natureza não sofre nenhuma alteração ao longo de suas três fases: a de um ser senciente, de bodisatvas e de budas.

།ཐོག་མ་མེད་པའི་དུས་ཀྱི་ཁམས། །ཆོས་རྣམས་ཀུན་གྱི་གནས་ཡིན་ཏེ། །དེ་ཡོད་པས་ན་འགྲོ་ཀུན་དང་། །མྱ་ངན་འདས་པའང་ཐོབ་པ་ཡིན།

“A essência não limitada ao tempo
é a base de todos os fenômenos.
Já que ela existe, há todos os seres
e o nirvana pode ser realizado.”

3.2. Citação do Tantra Hevajra#

།སེམས་ཅན་རྣམས་ནི་སངས་རྒྱས་ཉིད། །འོན་ཀྱང་བློ་བུར་དྲི་མས་བསྒྲིབས། །དེ་ཉིད་བསལ་ན་སངས་རྒྱས་སོ། །ཞེས་རྒྱུད་ལུང་ངོ་།

“Seres sencientes são de fato budas.
No entanto, impurezas obscurecem isso;
quando são dissipadas, há budeidade.”

4. Explicação detalhada#

4.1. Explicação da citação do Abidharmasutra#

4.1.1. De que maneira aparências e essência não têm início#

།དེ་ལ་ཐོག་མེད་ཅེས་བྱ་བ། །དེ་བས་སྔོན་ན་མེད་པ་ཉིད། །དུས་ནི་སྐད་ཅིག་དེ་ཉིད་དེ། །གཞན་ནས་བརྒྱུད་དེ་འོངས་པ་མིན།

Sobre (o samsara e a essência)
“não terem início”, antes não há absolutamente nada1.
O tempo é o próprio instante (do aparecimento)2,
ele não vem de um outro lugar.

1 Não há nenhuma budeidade a ser encontrada antes da essência pura, e não há nenhum ser senciente antes das aparências relativas.

2 O tempo em que samsara e nirvana surgem como dualidade é apenas o próprio instante em que surge a confusão. Não há uma história cronológica externa a esse processo. Há apenas o surgimento a cada instante de aparências. Assim, não há um início de fato.

4.1.2. Significado de “essência”#

།ཁམས་ནི་བྱེད་པོ་མེད་ཀྱང་ནི། །རང་མཚན་འཛིན་པས་དེ་སྐད་བརྗོད།

Apesar de o elemento essencial1 não ter um criador,
ele é assim chamado porque possui características próprias.

1 Nota do tradutor (NT): A palavra tibetana “khams” aqui está sendo traduzida como “elemento essencial”. Trata-se da natureza buda em seu aspecto de elemento básico. A definição genérica de elemento essencial é “aquilo que possui características próprias”.

4.1.3. Fenômenos que residem nessa essência#

།ཆོས་ནི་འཁོར་དང་མྱ་ངན་འདས། །གཉིས་སུ་སྣང་ལ་བཤད་པ་སྟེ། །མ་རིག་བག་ཆགས་ས་ཞེས་བྱ། །ཡང་དག་རྟོག་དང་ཡང་དག་མིན། །འདུ་བྱེད་གཡོ་བ་བསྐྱེད་རྒྱུ་ཡིན། །རྒྱུ་ཡི་རྐྱེན་ཏེ་ཀུན་གཞིར་བཤད།

Fenômenos são explicados como sendo
o aparecimento da dualidade samsara e nirvana_._
Isso é chamado de “base dos padrões habituais da ignorância”.
Conceitos corretos ou falsos1 são a causa criadora
do movimento que leva à formação (da consciência de um eu).
Essas condições causais são explicadas
como sendo a base de tudo2.

1 “Conceitos corretos” são os antídotos para “conceitos falsos”, as ilusões do samsara.

2 NT: “Base de tudo”: consciência alaya.

4.1.4. A base em si desses fenômenos#

།གནས་ནི་རྒྱལ་བའི་སྙིང་པོ་སྟེ། །ཡང་དག་མ་ཡིན་ཀུན་རྟོག་ནི། །སེམས་ཀྱི་དག་པ་ལ་རབ་གནས།

A base é a Essência dos Vitoriosos.1
Todos os conceitos falsos
repousam de fato na pureza da mente.

1 NT: “Essência dos Vitoriosos” é um sinônimo de natureza buda.

4.1.5. O modo como a base está presente agora#

།དག་པ་དེ་ཉིད་ད་ལྟར་ཡོད། །ཡོད་ཀྱང་མ་རིག་ཀུན་རྟོག་གིས། །མི་མཐོང་ཕྱིར་ན་འཁོར་བ་ཡིན།

Essa pureza está presente agora.
Apesar disso, devido à ignorância conceitual,
ela não é vista, havendo assim samsara.

4.1.6. Explicação sobre o significado de “(o samsara) tem um fim”#

།དེ་ཉིད་བསལ་ན་མྱ་ངན་འདས། །དེ་ལ་ཐ་མའི་ཐ་སྙད་བྱས།

Quando isso é dissipado, há nirvana,
que é convencionalmente chamado de “fim”.1

1 Esse fim é apenas uma convenção verbal, uma expressão relativa, pois não há nada para ser terminado ou melhorado na pureza essencial.

4.2. Explicação sobre conceitos corretos e falsos#

4.2.1. O modo como o samsara se baseia em conceitos falsos#

།ཐོག་མཐའ་ཀུན་རྟོག་ཉིད་ལ་བརྟེན། །འདུ་བྱེད་རླུང་དང་འདྲ་བ་ཡིས། །ལས་དང་ཉོན་མོངས་བསྒྲུབ་པ་སྟེ། །དེ་ཡིས་ཕུང་པོ་ཁམས་སྐྱེ་མཆེད། །གཉིས་སྣང་ཆོས་ཀུན་སྟོན་པ་ཡིན།

Início e fim se baseiam em conceitualização.
Devido a uma formação como a do vento1,
karma e aflições são criadas, que então manifestam
os agregados, bases sensoriais e esferas perceptivas2
— tudo o que aparece como dualidade.

1 Na essência da mente (sems nyid) que é como espaço, quando há ignorância sobre ela mesma, conceitos aparecem como ventos surgindo no espaço. Essa agitação leva à formação da cognição aflita (a 7ª consciência), que se fixa na natureza da mente como sendo um eu.

2 NT: Esses termos se referem a três modos de subdividir o conjunto corpo-mente, conforme o Abidharma, com o objetivo de desmontar a ideia de um eu inerentemente existente:

  • 5 agregados: forma/corpo, sensação, categorização, formações mentais e consciência.
  • 18 bases sensoriais (dhatu; khams): são os seis objetos da percepção (estímulos dos cinco sentidos e objetos mentais), seis faculdades (as habilidades presentes nos cinco órgãos dos sentidos e na mente, que permitem o surgimento de objetos e a consciência deles), seis consciências (que percebem os objetos dos sentidos e da mente).
  • 12 esferas perceptivas (ayatana; skye mched): o conjunto das seis faculdades e seus seis objetos.

4.2.2. A raiz da ilusão é adotar e rejeitar#

།དེ་ལ་བླང་དོར་བྱེད་མཁན་འཁྲུལ། །རང་སྣང་དོར་བས་གང་ཏུ་འགག །རང་སྣང་བླངས་པས་ཅི་ཞིག་འབྱུང་། །གཉིས་འཛིན་རྫུན་པ་མ་ཡིན་ནམ།

Quem adota ou rejeita isso se ilude.
Ao rejeitar a automanifestação1, onde ela termina?
Ao adotar a automanifestação, o que acontece?
A fixação na dualidade não é irreal?

1 NT: “Automanifestação” (tib.: rang snang) é a exibição de aparências da própria natureza — elas não vêm de fora.

4.2.2. Significado desse antídoto conceitual#

།དེ་ཤེས་གཉེན་པོར་གསུངས་མོད་ཀྱང་། །གཉིས་མེད་རྟོགས་དེ་བདེན་པ་མིན། །རྟོག་མེད་རྟོགས་པར་འགྱུར་བའི་ཕྱིར། །གཟུགས་སོགས་ཆ་ཕྱེས་སྟོང་རྟོགས་པ། །ཁྱོད་རང་འཁྲུལ་པ་མ་ཡིན་ནམ། །འོན་ཀྱང་བདེན་ཞེན་བཀག་ཕྱིར་གསུངས།

Saber isso de fato é o antídoto, conforme ensinado,
mas o conceito de não dualidade não é verdadeiro.
Isso porque o não conceitual se torna um conceito.
Ao subdividir a forma e os outros agregados,
vem a ideia da vacuidade.
Não é você mesma que está confusa?
No entanto, isso foi ensinado para acabar
com a fixação que considera as coisas reais.

4.3. Explicação da natureza buda em si#

4.3.1. Introdução à própria essência#

།ཐམས་ཅད་བདེན་མིན་རྫུན་མིན་ཏེ། །ཆུ་ཟླ་བཞིན་དུ་མཁས་རྣམས་འདོད། །ཐ་མལ་ཤེས་པ་དེ་ཉིད་ལ། །ཆོས་དབྱིངས་རྒྱལ་བའི་སྙིང་པོ་ཟེར། །བཟང་དུ་འཕགས་པས་བཏང་བ་མེད། །ངན་དུ་སེམས་ཅན་གྱིས་མ་བཏང་། །ཐ་སྙད་དུ་མ་བརྗོད་མོད་ཀྱང་། །བརྗོད་པས་དེ་ཡི་དོན་མི་ཤེས།

Todas as coisas não são reais nem irreais,
como a lua na água, segundo os sábios.
Esta própria mente básica1 é o que é chamado
de dharmadhatu ou Coração dos Vitoriosos.
Seres sublimes não a tornam melhor.
Seres sencientes não a tornam pior.
Embora ela seja descrita em termos convencionais,
na verdade, seu significado não é reconhecido
através de expressões verbais.

1 NT: “Mente básica” (tib.: tha mal gyi shes pa) é a mente em seu estado mais comum, natural, sem nenhuma fabricação.

4.3.2. Explicação sobre suas qualidades#

4.3.2.1. Explicação breve#

།དེ་ཉིད་མ་འགགས་རོལ་པ་ལ། །ཡོན་ཏན་དྲུག་ཅུ་རྩ་བཞི་པོ། །རག་པ་ཡིན་ཏེ་རེ་རེ་ལའང་། །བྱེ་བ་ཕྲག་རེར་གསུངས་པ་ཡིན།

Sobre sua exibição ininterrupta1,
há 64 qualidades2 a grosso modo;
e cada uma possui mais dez milhões,
conforme proclamado.

1 “Exibição ininterrupta” é uma das três qualidades da natureza buda: a essência é vacuidade, a natureza é lucidez, a expressão é uma exibição ininterrupta.

NT: “Exibição” tem um sentido de encenação e emanação. Se diz que é como uma encenação pois é só uma aparência, a expressão de uma natureza pura inefável.

2 32 qualidades referentes ao dharmakaya, mais 32 do rupakaya (“corpo iluminado com forma”: sambhogakaya e nirmanakaya), que serão explicadas a seguir.

4.3.2.2. Explicação detalhada#
4.3.2.2.1. Qualidades do dharmakaya#

4.3.2.2.1.1. Dez poderes

།གནས་དང་གནས་མིན་ལས་ཤེས་དང་། །རྣམ་སྨིན་ཁམས་དང་དབང་པོ་དང་། །མོས་པ་མཁྱེན་དང་ཀུན་འགྲོ་བའི། །ལམ་དང་བསམ་གཏན་ལྷ་ཡི་མིག །གནས་རྗེས་དྲན་དང་ཞི་བ་ནི། །སྟོབས་བཅུའོ།

Os dez poderes são: (saber sobre) o que tem valor
e o que não tem, karma e seu amadurecimento, predisposições, capacidades, inclinações, os caminhos de todos destinos,
concentrações meditativas, o olho divino,
lembrar locais (de nascimento), e pacificação.1

1 Os dez poderes do dharmakaya se referem ao poder insuperável da mente de budas, resultado da purificação no cultivo prévio da boditchita:

  1. “Saber sobre o que tem valor e o que não tem”: resultados positivos vêm da virtude e negativos, da desvirtude.

  2. Saber sobre “karma e seu amadurecimento”, ou seja, sobre os resultados de cada ação.

  3. Conhecer “predisposições” das pessoas a serem treinadas e adequar a atividade iluminada para isso.

  4. Conhecer as “capacidades” das pessoas e ensinar de acordo com ela.

  5. Conhecer as “inclinações” e transmitir a categoria correspondente do Dharma.

  6. Conhecer os “caminhos de todos destinos”: todos os veículos da liberação e do aprisionamento.

  7. Ter o domínio de todos os tipos de “concentrações meditativas” e dos antídotos para seus obstáculos.

  8. Ter o “olho divino” da clarividência.

  9. Lembrar todos os “locais” e acontecimentos de cada renascimento.

  10. Cessação ou “pacificação” de todos os obscurecimentos e contaminações.

4.3.2.2.1.2. Quatro destemores

།དེ་བརྟེན་མི་འཇིགས་བཞི། །ཆོས་ཀུན་བྱང་ཆུབ་གནས་སྟོན་དང་། །ལམ་དང་འགོག་སྟོན་རྩོད་མེད་ཉིད།

Baseado nisso, há quatro destemores:
o da iluminação em todos os fenômenos,
o de ensinar sobre a situação,
o de ensinar o caminho e a cessação.
Eles são irrefutáveis1.

1 Baseados nos dez poderes, os quatro destemores se referem à confiança absoluta de budas na realização para si e para o bem alheio. São irrefutáveis no sentido de que são inequívocos.

  1. O “destemor da iluminação em todos os fenômenos” é a confiança de proclamar a própria manifestação da budeidade na esfera de todos os fenômenos.

  2. O “destemor de ensinar sobre a situação” é a confiança de demonstrar que aflições como o desejo são os obstáculos para o bem alheio.

  3. O “de ensinar o caminho” é demonstrar que os 37 Fatores da Iluminação são o caminho para a libertação da existência cíclica.

  4. Ensinar sobre “a cessação” se refere a proclamar a autorrealização do fim de todas contaminações.

4.3.2.2.1.3. 18 qualidades únicas

།རྒྱུ་དེས་མ་འཁྲུལ་ཅ་ཅོ་མེད། །དྲན་པ་མ་ཉམས་རྟག་མཉམ་བཞག །འདུ་ཤེས་སྣ་ཚོགས་མི་མངའ་དང་། །མ་བརྟགས་བཏང་སྙོམས་མེད་པ་དང་། །འདུན་པ་བརྩོན་འགྲུས་དྲན་པ་དང་། །ཏིང་འཛིན་ཤེས་རབ་རྣམ་གྲོལ་གྱི། །ཡེ་ཤེས་མཐོང་བ་མི་ཉམས་པ། །ལས་རྣམས་ཡེ་ཤེས་སྔོན་འགྲོ་དང་། །དུས་ལ་སྒྲིབ་མེད་བཅོ་བརྒྱད་དེ། །སོ་གཉིས་ལྡན་པ་ཆོས་སྐུ་ཡིན།

Tendo isso como causa, há infalibilidade,
ausência de fala sem propósito, presença mental
que não degenera, equilíbrio meditativo constante,
ausência de múltiplas categorizações,
ausência da indiferença que não faz distinções.
Não há degeneração do propósito, vigor, lembrança, samadhi,
discernimento e da visão da sabedoria primordial da liberação.
As atividades são precedidas por sabedoria,
sem os obscurecimentos do tempo.
A posse dessas 32 qualidades é o dharmakaya.1

1 Devido aos quatro destemores, budas tem 18 qualidades únicas que os diferenciam de shravakas, pratyekabudas e bodisatvas. Quando todos os obscurecimentos se purificam, elas se manifestam.

Há seis qualidades da atividade:

  1. “infalibilidade”;

  2. “ausência de fala sem propósito”;

  3. “presença mental que não degenera”;

  4. “equilíbrio meditativo constante”;

  5. “ausência de múltiplas categorizações” que diferenciam samsara e nirvana;

  6. “ausência da indiferença que não faz distinções”, havendo clara distinção entre os tipos de seres a serem guiados.

Há seis qualidades referentes à realização:

  1. “não há degeneração do propósito” (beneficiar seres);

  2. não há degeneração do “vigor” nessa direção;

  3. da “lembrança” dos seres a serem guiados;

  4. do “samadhi” que realiza a igualdade;

  5. do “discernimento” que conhece todo o samsara e nirvana;

  6. e “da visão da sabedoria primordial da liberação”, a realização final, livre de qualquer contaminação e suas causas.

Há três qualidades de corpo, fala e mente, nas “atividades (que) são precedidas por sabedoria” e sempre beneficiam os seres:

  1. a atividade iluminada do corpo tem o poder de guiar os seres sem exceção;

  2. a atividade iluminada da fala é dotada com as 60 capacidades vocais;

  3. a atividade iluminada da mente conhece todos os seres e os vê com amor e compaixão.

A sabedoria que precede essas atividades não contêm “os obscurecimentos do tempo”, ou seja, penetra sem nenhum impedimento o presente, passado e futuro, somando mais três aspectos e totalizando 18 qualidades.

4.3.2.2.1.4. Como as qualidades estão presentes sem aparecer

།ད་ལྟ་དེ་ལ་འགལ་བར་བྱེད། །ཡིན་ལ་ཡིན་བཞིན་མ་ངེས་པས། །མེད་ལ་ཡོད་རྟོག་ཀུན་བརྟགས་བྱས། །དེས་བསྐྱེད་རྟོགས་དེ་གཞན་དབང་ཡིན། །ཡོངས་སུ་གྲུབ་པ་མ་ཤེས་པས། །རང་གི་བྱས་པས་གཟིངས་པ་སྟེ། །ཀྱེ་མ་ཆོས་སྐུའི་ཡོན་ཏན་འདི། །བདེན་པའི་རྟོག་ལ་བདེན་ཤེས་ཡིན། །ད་ལྟ་ནུས་པ་ཆུང་བ་དེ། །བདེན་ཤེས་བོར་ནས་མི་བདེན་བཟོས། །དེ་ལ་རྗེས་འབྲང་གཡོས་པས་ལན།

Agora, contrariamos (essas qualidades).
Sem certeza de que são assim como são1,
criamos a natureza imaginada2,
ao imaginar que o não existente existe.
Os conceitos que surgem daí são a natureza dependente.
Sem confiança sobre a natureza absoluta,
há a agitação que nós mesmos criamos — que tristeza!
Entender como verdadeiras essas qualidades
do dharmakaya é reconhecer a verdade.
Descartamos a realidade de sua pequena força agora3,
e fabricamos o irreal. Consequentemente,
há a agitação de ficar perseguindo isso.

1 Na essência da mente, a inseparabilidade entre vacuidade e lucidez, todas as qualidades da budeidade estão presentes, ao mesmo tempo que não têm nenhuma solidez. Mas isso não é reconhecido.

2 NT: Na tradição Yogatchara, a relação entre realidade e ilusão é explicada conforme as Três Naturezas. A natureza absoluta se expressa na natureza dependente, que são as aparências surgidas dependentemente. Já a natureza imaginada é a conceitualização e fixação nessas aparências como sendo reais, não havendo o reconhecimento de que fenômenos dependentes são como reflexos inseparáveis da natureza absoluta. Nessa estrofe, as Três Naturezas são apresentadas de modo ligeiramente diferente, porém o significado básico é o mesmo.

3 Mesmo agora, na fase impura da natureza buda de seres sencientes, há uma sutil expressão dessas qualidades (por exemplo, compaixão ou devoção). Isso deveria ser reconhecido como um sinal da presença da natureza buda, mas em geral não acontece.

4.3.2.2.1.5. O modo como isso é realizado, com citações

།དེ་ནི་ཡིན་ལ་ཡིན་བཞིན་དུ། །ཤེས་གྱིས་དེ་ལ་ནུས་པ་ཐོབ། །འདི་ལ་བསལ་བྱ་ཅི་ཡང་མེད། །བཞག་པར་བྱ་བ་ཅུང་ཟད་མེད། །ཡང་དག་ཉིད་ལ་ཡང་དག་ལྟ། །ཡང་དག་མཐོང་ན་རྣམ་པར་གྲོལ། །རྣམ་དབྱེར་བཅས་པའི་མཚན་ཉིད་ཅན། །གློ་བུར་དག་གི་ཁམས་སྟོང་གིས། །རྣམ་དབྱེར་མེད་པའི་མཚན་ཉིད་ཅན། །བླ་མེད་ཆོས་ཀྱིས་སྟོང་མ་ཡིན།

Ao reconhecer isso do modo como é,
sua capacidade é realizada.1
“Nisso, não há nada a ser removido,
nem a menor coisa a ser adicionada.
Verdadeiramente olhe a verdade.
Ao ver perfeitamente, há liberação completa.”2
“A essência é vazia de elementos adventícios,
caracterizados como sendo divisíveis;
mas não é vazia de qualidades sublimes,
caracterizadas como sendo indivisíveis.”3

1 Ao reconhecer que as qualidades iluminadas já estão presentes agora na essência da mente, a natureza buda, e cultivar isso repetidamente, a essência e a capacidade de suas qualidades são realizadas.

2 Esta citação é do Sutra da Deusa Ashimatra.

3 Citação do Sublime Contínuo (Uttaratantra).

4.3.2.2.2. Explicação sobre as qualidades do rupakaya#

4.3.2.2.2.1. Essência dessas qualidades

།དེ་ལ་གཟུགས་སྐུ་གཉིས་རང་བཞིན། །སུམ་ཅུ་རྩ་གཉིས་མཚན་དཔེ་བྱད།

Nisso, a natureza dos dois rupakayas1
são os 32 sinais principais e os secundários2.

1 Os dois rupakayas são: sambhogakaya (deidades que surgem na percepção de bodisatvas) e nirmanakaya (budas encarnados que surgem na percepção de seres secientes).

2 Os corpos desses seres iluminados possuem 32 sinais principais e 80 secundários (como uma protuberância no topo da cabeça, o desenho de rodas nas mãos e pés etc). São símbolos do amadurecimento completo da prática perfeita do Dharma que se manifestam no corpo.

4.3.2.2.2.2. Como essas qualidades estão no corpo

།ཐོབ་པའི་ཡོན་ཏན་རང་ལུས་ཏེ། །ལུས་དེ་བདག་དང་པྱྭ་དབང་ཕྱུག །ཚངས་དང་ཕྱི་རོལ་བདེན་པའི་རྡུལ། །ཕག་ན་མོ་ཡིས་བྱས་པ་མིན། །སྒོ་ལྔ་གཟུང་དང་འཛིན་པ་ཡི། །རྣམ་འགྱུར་མ་དག་དེ་སྦྱངས་པས། །དེ་ཚེ་ཐོབ་པར་ཐ་སྙད་བྱས།

Essas qualidades obtidas são o próprio corpo1.
Ele não foi criado pelo Eu, Tcha, Ishvara, Brahma,
partículas externas existentes ou realidades ocultas2.
Convencionalmente se diz que são “obtidas”
devido à purificação da expressão impura
da dualidade sujeito-objeto dos cinco sentidos3.

1 Essas qualidades vêm da própria natureza pura do corpo — constituído de nadi, prana e bindu — que são expressões da pureza da mente. Elas estão presentes em todos os seres de modo invisível, devido ao obscurecimento, mas aparecem com a budeidade.

2 Não budistas acreditam que o corpo surge de um Eu imutável, de divindades Bön (Tcha) ou Hindu. Já budistas da escola Vaibashika acreditam em partículas fundamentais; e da escola Sautrantika, em uma realidade oculta que os sentidos não alcançam.

3 A natureza buda se expressa em dois aspectos: mente e corpo. A purificação do aspecto mental resulta nas 32 qualidades do dharmakaya, mencionadas antes; a do aspecto corporal resulta nas 32 qualidades do rupakaya — isso se dá através da purificação da dualidade das consciências dos cinco sentidos. Assim, após a purificação, aparências manifestam sua pureza, na forma de budas, deidades e terras puras, com todas características. Se diz que “essas qualidades são obtidas” apenas convencionalmente. Em absoluto, não há qualidades a obter pois já estão presentes, e elas mesmas são aparências ou expressões (puras, no sentido de que expressam mais claramente a realidade genuína).

NT: A purificação mencionada acima faz parte da visão sintetizada por Rangjung Dordje em Significado Interno Profundo, obra crucial na linhagem Karma Kagyu, da qual este texto é uma extensão.

4.3.2.2.2.3. Corpo puro e impuro

།དེ་བས་རྩ་རླུང་ཐིག་ལེ་རྣམས། །དག་པ་དག་པའི་གཟུགས་སྐུ་སྟེ། །མ་སྦྱང་མ་དག་གཟུགས་སྐུའོ།

Assim, nadi, prana e bindu,
quando purificados, são o puro rupakaya;
não purificados são o rupakaya impuro1.

1 Nadi (canais), prana (ventos) e bindu (pontos) são o aspecto fundamental e sutil do corpo humano, no Vajrayana. Na fase impura da natureza buda — a de seres sencientes — eles são a base do rupakaya impuro, o corpo iluminado em essência mas coberto de obscurecimentos. Na fase pura da realização da budeidade — em que obscurecimentos foram purificados — eles aparecem como o rupakaya puro, budas com forma e todos os sinais da iluminação perfeita.

4.3.3. Explicação com um exemplo e seu significado#

4.3.3.1. O exemplo#

།དཔེར་ན་ཤུན་བཅས་བཻཌཱུཪྻ། །དེ་ལ་ཡོན་ཏན་མི་སྣང་དང་། །རེ་བ་བ་ཚྭའི་ཆུས་སྦྱོང་དང་། །སྐྱུར་པོ་ལྭ་བས་སྦྱོང་བ་དང་། །ཆུ་གཙང་ཀཱ་ཤི་ཀས་སྦྱོང་ནས། །དག་དེ་ནོར་བུ་དགོས་འདོད་འབྱུང་།

Por exemplo, em uma esmeralda azul encrustada,
suas qualidades não brilham.
Ao ser limpa com um pano e água salgada,
vinagre e um tecido de lã,
água limpa e algodão de Varanasi,
sua pureza é uma joia que realiza necessidades e desejos.1

1 Esse exemplo vem de sutras Mahayana e também aparece em comentários de Asanga e Nagarjuna.

4.3.3.2. Significado do exemplo#

།དེ་བཞིན་སེམས་ཀྱི་བཻཌཱུཪྻ། །ཉོན་མོངས་ཤེས་བྱ་སྙོམས་འཇུག་གི །ཤུན་པ་གསུམ་པོ་སྦྱང་བའི་ཕྱིར། །ཚོགས་སྦྱོར་མ་དག་ས་བདུན་དང་། །དག་པའི་ས་གསུམ་ལ་རབ་སྦྱོང་།

Do mesmo modo, para limpar as três crostas
da esmeralda azul da mente,
(que são os obscurecimentos) das aflições,
cognitivos e do equilíbrio meditativo1,
há a purificação completa (dos caminhos) da acumulação,
junção, dos sete bhumis impuros e três puros.2

1 Aflições, como raiva e apego, são obstáculos para as Seis Perfeições. Obscurecimentos cognitivos se referem à fixação no sujeito, ação e resultado (Três Esferas) como sendo reais. Obscurecimentos do equilíbrio meditativo são excitação e torpor. Como no exemplo da esmeralda, nessa ordem, as “crostas” vão ficando mais sutis.

2 Na primeira camada, das aflições, elas são purificadas nos caminhos da acumulação e junção (que precedem o 1º bhumi bodisatva). A segunda camada, dos obscurecimentos cognitivos (ou “de conhecimento”), é purificada nos sete bhumis impuros (1º ao 7º) — são “impuros” pois aparências impuras ainda são percebidas. A terceira camada, dos obscurecimentos meditativos, é purificada nos bhumis puros (8º ao 10º).

Rangjung Dordje diz (no comentário do Significado Interno Profundo): “A budeidade — que não é nada mais que a natureza buda pura, livre desses obscurecimentos — é exatamente assim (como essa joia). Não há diferença nas qualidades da joia no início e no final. (...) Todas as qualidades da budeidade estão presentes bem agora, mas se não forem ativadas por atos puros e imaculados, seu poder não aparece.”

4.3.3.3. A maneira sequencial em que conceitos falsos e corretos são eliminados#

།ཡང་དག་མ་ཡིན་ཀུན་རྟོག་དེ། །དག་པའི་ཀུན་རྟོག་དང་སྤྲད་པས། །ཤིང་གཉིས་ཚིག་བཞིན་ཀུན་རྟོག་བྲལ། །སྤངས་གཉེན་དེ་བཞིན་ཉིད་རྟོགས་དང་། །འབྲས་བུའི་མཚན་འཛིན་བཞི་བྲལ་བ།

Quando conceitos falsos encontram conceitos corretos,
há libertação dos conceitos, assim como
dois gravetos queimam.
Há libertação das quatro fixações nas características
daquilo a ser abandonado, dos antídotos,
da compreensão da realidade em si, e do resultado.1

1 Conceitos falsos são fixações naquilo que deve ser abandonado — por exemplo, acreditar que o inexistente existe. Quando eles se encontram com conceitos corretos (os antídotos) — por exemplo, o de que todos os fenômenos são vacuidade — há um tipo de conflito, como no exemplo em que, ao esfregar rapidamente dois gravetos, surge o fogo que consome ambos. Como o antídoto só existe em dependência do conceito a ser abandonado, quando esse conceito desaparece, o antídoto também cessa. Nesse ponto, há a libertação de duas fixações: “nas características daquilo a ser abandonado” e nas dos “antídotos”. Esse processo corresponde aos caminhos da acumulação e junção: ao meditar na vacuidade, há liberdade em relação a essas fixações. Quando a natureza da realidade é “vista” diretamente, chega-se ao caminho da visão (1º bhumi). Do 1º ao 7º bhumi, há sutil fixação na compreensão da natureza em si, e no pós-meditação, aparências são percebidas como ilusões. Ao se libertar dessa fixação, o 8º bhumi é realizado, em que não há mais aparências impuras. Mas há sutil fixação nas aparências puras, até o 10º bhumi. Quando isso é liberado, a budeidade é realizada.

4.3.3.4. Como a pureza é “obtida”, já que é imutável; citações de escrituras#

།དེ་ཚེ་ནམ་མཁའི་སྐུ་ཅན་ལ། །མཚན་གྱི་མེ་ཏོག་རྒྱས་པར་འགྱུར། །མ་དག་མ་དག་དག་པ་དང་། །ཤིན་ཏུ་རྣམ་དག་གོ་རིམ་བཞིན། །སེམས་ཅན་བྱང་ཆུབ་སེམས་དཔའ་དང་། །དེ་བཞིན་གཤེགས་པའི་གནས་སྐབས་གསུམ། །བརྗོད་ཀྱང་སངས་རྒྱས་གསར་སྐྱེས་མིན། །ཅི་ལྟར་སྔ་བཞིན་ཕྱིས་དེ་བཞིན། །མི་འགྱུར་སངས་རྒྱས་སྙིང་པོ་ཡིན། །འགྱུར་བ་དྲི་བྲལ་དེ་ལ་བརྗོད།

Nesse ponto, para quem possui o corpo iluminado do espaço,
as flores dos sinais (da budeidade) desabrocham.
“As três fases (da natureza buda)
— impura, impura e pura, e totalmente pura —
correspondem respectivamente a
seres sencientes, bodisatvas e tathagatas.”
“No entanto, a budeidade não surge como algo novo.
Assim como era antes, depois é a mesma,
desse modo é a imutável essência buda.”1
A referida mudança é sobre a libertação em relação às máculas.

1 Estas citações são do Sublime Contínuo.

4.4. Estabelecer a natureza buda respondendo objeções#

4.4.1. Incoerência da ausência de causa e de causas externas para as qualidades#

།གང་དག་ལྟ་ངན་ཞུགས་པ་རྣམས། །སངས་རྒྱས་ཡོན་ཏན་རྒྱུ་མེད་དང་། །ཡང་ན་རང་མིན་ཕྱི་རོལ་གྱིས། །རྒྱུ་རྐྱེན་གྱིས་བསྐྱེད་རྟོགས་པ་ནི། །ཕྱི་རོལ་རྟག་ཆད་ཁྱད་ཅི་ཡོད།

Pessoas envolvidas com visões inferiores
entendem que as qualidades da budeidade não têm causa,
ou que surgem externamente, sem vir de si mesma,
através de causas e condições.
Qual a diferença disso com as visões não budistas
do eternalismo e do niilismo?1

1 Entre budistas, há quem considere que essas qualidades da budeidade não têm causa, no sentido de que fenômenos são vacuidade. Aparências são vacuidade, no entanto, o que os oponentes enfatizam é que mesmo aparências puras (deidades, budas, terras puras etc) e as qualidades da iluminação não teriam nenhuma base, viriam do nada, do vazio. Em essência, essa é a mesma visão da tradição niilista hindu Tcharvaka.

Há também budistas que defendem a ideia de que essas qualidades nascem de fatores como estudar o Dharma, meditar etc. Assim, tendências dormentes seriam nutridas até um amadurecimento completo, havendo causas para uma budeidade previamente inexistente. Em essência, é nisso que acreditam eternalistas, que afirmam que algo pré-existente cria as coisas.

4.4.2. Formações puras e impuras#

།འདུ་བྱེད་སྐད་གཅིག་སྐྱེ་འགག་སྣང་། །མ་དག་འདུ་བྱེད་དག་དང་མཚུངས། །གལ་ཏེ་དེ་ལྟ་མ་ཡིན་ན། །གཟུགས་སྐུའི་ཕྲིན་ལས་རྒྱུན་ཆད་འགྱུར། །འོན་ཀྱང་འདུ་བྱེད་མིང་མི་བརྗོད། །སོ་སོར་རྟོགས་པའི་ཡེ་ཤེས་ཀྱི།

Aparências momentâneas de formações que surgem e cessam
(na sabedoria de budas) são comparáveis
a formações mentais impuras.1
Caso não fosse assim, a atividade rupakaya seria interrompida.2
No entanto, isso não é chamado de “formações mentais”,
mas de sabedoria da distinção.3

NT: Esta estrofe responde à objeção de que budas não teriam como beneficiar seres, já que — estando completamente livres de ilusões — não teriam como interagir com seres que só percebem ilusões.

1 A sabedoria de budas penetra sim as ilusões de seres sencientes. Esse modo como ela se move é similar ao surgimento e cessação de pensamentos, ou seja, às formações mentais (o 4º agregado de corpo-mente).

2 Para que a atividade dos corpos iluminados com forma (sambhogakaya e nirmanakaya) seja percebida, é necessário que ela apareça como mudanças momentâneas — por exemplo, quando um buda se move, fala ou compreende. Assim, parece que há formações mentais na mente de budas. Se isso não ocorresse, seria impossível para seres sencientes perceberem a atividade iluminada e, assim, a percepção da exibição rupakaya seria interrompida.

3 As formações mentais de seres sencientes são caracterizadas por dualidade sujeito-objeto e fixação em fenômenos que não existem. Quando essa ignorância é totalmente purificada, com a realização da budeidade, esse movimento é chamado de sabedoria da distinção (uma das Cinco Sabedorias da budeidade). Essa sabedoria distingue clara e perfeitamente todos os fenômenos e seres.

4.4.3. Essência da sabedoria da atividade#

4.4.3.1. Como se manifestam sujeito e objeto nas cinco portas#

།འབྱུང་བ་ཆེ་སོགས་རང་བཞིན་གང་། །འཛིན་བཅས་ངོ་བོ་ནུས་ལྡན་སྟོན། །འཁྲུལ་དང་མ་འཁྲུལ་གཉིས་པོ་ཡང་། །སྣང་བར་ཁྱད་པར་ཅི་ཡང་མེད།

Aquilo que (na fase impura) consiste nos grandes elementos,
seus derivados e vem com fixação,
(na fase pura) revela sua poderosa essência.
Mas, em termos daquilo que aparece,
não há qualquer diferença
entre essa ilusão ou sua ausência.1

1 Na fase impura de seres sencientes, a mente aparece como objetos externos — os cinco elementos (e seus derivados) nos objetos dos cinco sentidos, junto com a fixação neles como sendo reais. Na fase purificada da budeidade, são reveladas as naturezas dos cinco sentidos (Cinco Budas masculinos), dos cinco elementos (Cinco Budas femininas) e das fixações nos Cinco Agregados (Cinco Sabedorias). No entanto, em ambos os casos, uma coisa permanece a mesma: tudo que surge ainda são meras aparências.

4.4.3.2. A diferença entre seres e budas, e o motivo disso#

།གཉིས་འཛིན་ཡོད་མེད་ཁྱད་པར་ཡིན། །གལ་ཏེ་དེ་ལྟ་མ་ཡིན་ན། །རྒྱལ་བའི་ཕྲིན་ལས་ཅི་ལྟར་འཇུག

A diferença é se há ou não fixação na dualidade.
Se não fosse assim, como a atividade
vitoriosa (de budas) interagiria (com seres)?1

1 Se a sabedoria de budas não penetrasse as ilusões de seres, sem nenhuma confusão, como seria possível beneficiar seres? Não haveria uma base comum para isso. E caso budas se fixassem nas aparências, assim como seres, não poderiam ajudar.

4.4.4. A ação da sabedoria da atividade#

4.4.4.1. Significado dos exemplos que ilustram a natureza buda#

།ཡིད་བཞིན་ནོར་སོགས་དཔེ་བརྗོད་པ། །རྟོག་པ་མེད་པའི་ནུས་སྟོན་པར།

As referências a exemplos como a joia dos desejos
explicam a expressão do poder não conceitual.1

1 Para o benefício alheio, budas manifestam espontaneamente sua sabedoria primordial, que consiste em conhecimento, amor e poder — livres de qualquer fixação, intenção ou esforço. Sobre isso, o Sublime Contínuo dá nove exemplos de como a atividade iluminada se expressa. Seres com poucos obscurecimentos percebem a exibição pura dessa atividade, mas elas não são meras aparências no contínuo mental de seres, sendo sim a ação espontânea que se manifesta com a realização da natureza buda.

4.4.4.2. O erro na afirmação de que isso é uma mera aparência para os seres#

།བཤད་ཀྱིས་གཞན་རྒྱུད་ཁོ་ན་མིན། །ཡིན་ན་གཞན་རྒྱུད་ཡེ་ཤེས་འགྱུར། །འདོད་ན་ཡེ་ཤེས་འཁྲུལ་པར་འགྱུར།

Isso não é algo apenas no contínuo mental de outros seres.
Se fosse, a sabedoria primordial seria esse contínuo.
Ao afirmar isso, a sabedoria se torna ilusão.

4.4.4.3. Exemplo de porque budas “perceberem” ilusões não implica fixação#

།གལ་ཏེ་རང་སྣང་འཛིན་ཡིན་ཞེས། །འདོད་ན་མེ་ལོང་སྣང་བ་ཡང་། །འཛིན་པའི་རྣམ་རྟོག་ཅན་དུ་འགྱུར།

Caso seja argumentado: “a automanifestação implica fixação”,
então, um espelho também teria conceitos de fixação
sobre seus reflexos.

1 A lógica do interlocutor é: se a sabedoria de budas penetra aparências e a ilusão de seres aparece para essa sabedoria, então há fixação nessa automanifestação (nem que seja a fixação sutil de classificar aparências como ilusões). Se esta lógica estivesse correta, o surgimento de aparências sempre implicaria fixação. Assim, absurdamente, um espelho também teria fixação em seus reflexos. A sabedoria iluminada não contem a menor fixação, do mesmo modo que um espelho (a “sabedoria como um espelho” é uma das Cinco Sabedorias).

NT: Como diz o verso anterior (na seção 4.4.3.2), “A diferença é se há ou não fixação na dualidade.”

4.4.4.4. Exemplo de como não há engano na sabedoria sobre tudo que há#

།སེམས་ཅན་འཁྲུལ་པ་ཅི་སྙེད་པ། །ཡེ་ཤེས་ཡུལ་དུ་སྣང་གྱུར་ཀྱང་། །ཡེ་ཤེས་འཁྲུལ་པས་གོས་པ་མིན། །དཔེར་ན་མཁའ་ལ་འབྱུང་ཆེན་རྣམས། །སྐྱེ་འགག་སྣང་ཡང་ནམ་མཁའ་ལ། །གོས་མིན་སྐྱེ་དང་འགག་པ་མེད།

Todas as possíveis confusões de seres sencientes
surgem como aparências na sabedoria primordial,
mas essa confusão não mancha a sabedoria.1
Por exemplo, no espaço, os grandes elementos
aparentam surgir e cessar, mas isso não mancha o espaço,
que não surge nem cessa.

1 Do ponto de vista da sabedoria iluminada, o mundo — que consiste em ambiente e seu conteúdo — é exatamente como um reflexo da lua na água: ele é “visto” como aparência e vacuidade inseparáveis, mas sem nenhuma fixação como sendo real ou ilusório. A sabedoria e atividade de budas jamais é maculada pela confusão de seres sencientes.

4.4.4.5. Significado da ligação entre sabedoria e sua atividade iluminada#

།རྒྱལ་བའི་ཡེ་ཤེས་སེམས་ཅན་ལ། །ཞུགས་ཀྱང་དེ་བཞིན་གོས་པ་མེད། །འདི་ལ་འཁྲུལ་པའི་མིང་མི་བརྗོད། །བྱ་བ་གྲུབ་པ་ཞེས་སུ་བརྗོད།

A sabedoria primordial dos vitoriosos, do mesmo modo,
interage com seres sencientes mas não é manchada.
O nome dado a isso não é “confusão”,
mas sim, “sabedoria da atividade”.1

1 Na fase impura de seres sencientes, as consciências dos cinco sentidos interagem com seus objetos. Na fase pura da budeidade, isso é a sabedoria da atividade, que interage com diversos reinos da existência, em emanações inumeráveis e inconcebíveis, sem o menor esforço, assim beneficiando seres.

4.4.5. Significado da sabedoria da igualdade#

།སྒྲིབ་གསུམ་དག་པར་གནས་པའི་ཡིད། །མཉམ་པ་ཉིད་དེ་ཞི་བའང་ཡིན། །བྱམས་དང་ཐུགས་རྗེ་ཆེ་ལྡན་པས། །ལོངས་སྤྱོད་རྫོགས་སོགས་དེ་ལ་སྣང་། །ལ་ལ་སངས་རྒྱས་ཐོབ་པའི་ཚེ། །ཐེག་དམན་མཚུངས་གྱུར་དགག་ཕྱིར་བརྗོད།

A consciência que repousa na purificação
dos três obscurecimentos1
é (a sabedoria da) igualdade. Ela é paz.2
Já que possui grande amor e compaixão,
corpos como o sambhogakaya se manifestam (para os seres)
— isso é mencionado para refutar quem diz que
a realização da budeidade é similar ao caminho inferior.3

1 Após se ver livre dos três tipos de obscurecimentos (explicados na seção 4.3.3.2), a 7ª consciência (responsável pela ideia constante e involuntária de um eu) é liberada da fixação em eu e outro como sendo diferentes, tornando-se a sabedoria da igualdade.

2 Como está livre da ideia do eu — que é a base para todas as aflições — essa sabedoria é paz.

3 No entanto, essa paz não é o extremo do nirvana individual. Como essa sabedoria é inseparável da compaixão, corpos com forma se manifestam espontaneamente para o bem dos seres. A realização da budeidade não interrompe — como apagar uma lâmpada — a continuidade da natureza buda, que sempre permanece a mesma.

4.4.6. O modo como os Três Kayas são permanentes#

4.4.6.1. Significado dos três tipos de permanência#

།ཡེ་ཤེས་རྟག་པ་གསུམ་ཡིན་ཏེ། །རང་བཞིན་རྟག་པ་ཆོས་ཀྱི་སྐུ། །རྒྱུན་གྱིས་རྟག་པ་ལོངས་སྤྱོད་རྫོགས། །རྒྱུན་མི་འཆད་པ་སྤྲུལ་སྐུ་ཡིན།

A sabedoria primordial tem três permanências:
a natureza permanente é o dharmakaya,
por ser contínua é o sambhogakaya,
por ser ininterrupta é o nirmanakaya.1

1 Já que a sabedoria de budas jamais muda, ela é permanente de três maneiras. A natureza permanente é o dharmadhatu (a dimensão livre de obscurecimentos), porque o dharmakaya é imutável. A permanência da continuidade é o sambhogakaya, presente o tempo todo, com Cinco Certezas: o local é a terra pura, o séquito são bodisatvas, o ensinamento é o Dharma definitivo (não provisório), o professor é o buda sambhogakaya, e o tempo é um círculo infinito. Já que a atividade do nirmanakaya para beneficiar seres no samsara não tem nenhuma interrupção — sempre há budas nirmanakaya em inúmeros mundos — ela é permanente. O Ornamento dos Sutras Mahayana diz: “Em natureza, continuidade e ininterrupção, (os corpos iluminados) são permanentes.”

NT: A afirmação de que essas expressões puras são permanentes não contraria o ensinamento de que não há nenhum fenômeno permanente (corpos iluminados não são fenômenos). O Sublime Contínuo afirma que a natureza buda é “grande permanência”. Nas escrituras, a palavra “grande” não indica meramente tamanho, mas sim, um status sublime insuperável. “Permanência” ou “grande permanência”, neste contexto, são expressões hábeis para se referir a uma condição que está além dos extremos conceituais de permanência e impermanência, ao mesmo tempo que neutralizam a visão niilista de que não há nenhuma natureza pura.

4.4.6.2. Significado dos três tipos de impermanência#

།དེ་ལ་མི་རྟག་གསུམ་ཡོད་དེ། །བློ་བྱས་སྟོང་པ་རྟག་པ་མིན། །གཡོ་བའི་རྟོག་ཡིད་རྟག་པ་མིན། །ཚོགས་དྲུག་འདུས་བྱས་རྟག་པ་མིན།

Em relação a elas, há três impermanências:1
a vacuidade fabricada pela mente não é permanente,
a mente conceitual em movimento não é permanente,
a composição das Seis Consciências não é permanente.

1 As três permanências da estrofe anterior também equivalem a três das Cinco Sabedorias: as sabedorias da igualdade (dharmakaya), da distinção (sambhogakaya) e da atividade (nirmanakaya). Há três fenômenos que obscurecem essas respectivas sabedorias: a vacuidade que é criada conceitualmente e que não compreende a natureza absoluta dos Cinco Agregados, a cognição aflita e todos os conceitos que resultam disso, e a consciência que se subdivide em seis (ou oito). Todas são impermanentes e relativas.

4.4.6.3. As impermanências são os obscurecimentos das sabedorias#

།འོན་ཀྱང་དེ་ལ་རྟག་གསུམ་ཡོད། །མི་རྟག་གསུམ་པོ་དྲི་མ་སྟེ། །རྟག་པ་གསུམ་པོ་ཡེ་ཤེས་ཡིན།

Contudo, dentro delas estão as três permanências.
As três impermanências são as máculas,
as três permanências são sabedorias.

4.4.7. Abandonar incertezas#

4.4.7.1. Motivo de a essência não ser igual ao atman#

།མུ་སྟེགས་བདག་དང་མཚུངས་མིན་ཏེ། །ཡིད་ཀྱིས་བཏགས་དང་མ་བཏགས་ཕྱིར།

(A essência) não é igual ao Eu de extremistas1,
que é designado pela mente,
porque ela não é designada.2

1 NT: Esse Eu é o atman hindu, um tipo de eu absoluto. A palavra “extremista” (tib.: mu stegs pa) se refere às extremidades no debate sobre o que é a realidade: a fixação na existência (eternalismo) e a fixação no nada (niilismo). Assim, apesar de soar pejorativo, o termo em si tem uma neutralidade técnica. O objetivo deste texto não é menosprezar outras religiões (ou tradições budistas), mas sim clarificar a visão da natureza buda.

2 Atribuir aos Cinco Agregados (no conjunto ou isoladamente) a designação de um eu permanente, singular e independente não se sustenta logicamente (conforme estudado na filosofia Madhyamaka e no Abidharma). Segundo o comentário de Djamgon Kongtrul, esse suposto Eu é afirmado em relação às faculdades desses agregados: seria o “sujeito absoluto” que percebe formas, pensamentos etc. Já a natureza da mente, dharmakaya, é chamada de “permanência absoluta” pois está livre de surgimento, cessação e de toda a teia de fabricações mentais; tendo uma natureza não composta, naturalmente perfeita (lhun grub), sendo como espaço e onipresente. A essência tathagata é a sabedoria da vacuidade, livre de unidade ou separação, cuja natureza é não ser um sujeito. Como ela não é uma designação do tipo eu-meu, ou um conceito, não é a mesma coisa que o referido eu-atman. Nagarjuna diz no Louvor ao Dharmadhatu: “Já que o Dharmadhatu não é uma identidade, não é homem ou mulher, sujeito ou objeto, como imaginar que é o Eu?”

4.4.7.2. Motivo de a essência não ser igual à paz de shravakas e pratyekabudas#

།ཉན་རང་ཞི་དང་མཚུངས་མིན་ཏེ། །གཟུགས་སྐུའི་ཡོན་ཏན་ཀུན་སྟོན་ཕྱིར།

Por exibir todas as qualidades rupakaya,
(a essência) não é igual à paz shravaka ou pratyekabuda.1

1 Shravakas e pratyekabudas permanecem em um samadhi de paz individual. Já a budeidade exibe os corpos iluminados para beneficiar seres, espontaneamente.

4.4.7.3. Motivo porque corpos iluminados não são similares a seres sencientes#

།སེམས་ཅན་ལུས་དང་མཚུངས་མིན་ཏེ། །ཟག་བཅས་རྐྱེན་གྱིས་མ་བསྐྱེད་ཕྱིར།

Por não nascer de condições contaminadas,
(o rupakaya) não é igual ao corpo de seres sencientes.1

1 Poderia ser imaginado que os corpos iluminados com forma (rupakaya) seriam similares aos corpos de seres sencientes, já que ambos têm forma. Corpos de seres sencientes são feitos de agregados, bases sensoriais e esferas perceptivas, sendo todos fenômenos compostos formados por karma e aflições. O rupakaya não surge de condições contaminadas.

4.4.7.4. Motivo da irreversibilidade da budeidade#

།ཕྱིར་ལ་ལྡོག་པར་མི་འགྱུར་ཏེ། །ཡིན་ལ་ཡིན་བཞིན་མངོན་གྱུར་ཕྱིར།

Não haverá regressão,
pois (a essência) se revela do modo como é.1

1 A realização da essência não regride pois o obscurecimento removido nunca foi real e a natureza genuína não é ilusória. O Comentário Sobre Validade (de Dharmakirti) detalha isso com três exemplos: “Não há prejuízo. A realidade é genuína. Na própria essência, mesmo com oposição ativa, não há regressão porque a mente se une a ela.”

“Não há prejuízo” significa que, após realizar a budeidade, poderia ser imaginado: “Isso não é bom, prefiro voltar.” Se isso fosse possível, poderia haver regressão, mas não há o menor prejuízo.

“A realidade é genuína” significa que, após a budeidade, caso a realidade fosse falsa, poderia haver regressão, mas ela é verdadeira.

No terceiro argumento (“Na própria essência, mesmo com oposição ativa…”), a realização da budeidade é indissociável da essência tathagata: o contínuo mental e a natureza buda se tornam inseparáveis. Mesmo que a regressão fosse desejada, essa separação seria impossível.

4.4.7.5. Motivo porque as máculas não surgem de novo#

།དྲི་མ་ལྡང་བ་གཏན་མེད་དེ། །ཐ་དད་ཀུན་རྟོག་བྲལ་བའི་ཕྱིར།

As máculas jamais se reerguem
pois há liberação da imaginação de separação.1

1 Não há mais a conceitualização que cria sujeito e objeto, cuja causa é ignorância, que não existe mais e nem tem como retornar.

4.4.7.6. Resumo geral#

།དེ་ཕྱིར་སེམས་ཉིད་སངས་རྒྱས་འདི། །ད་ལྟར་ཡོད་ཀྱང་མ་ཤེས་སོ།

Por isso, esta natureza da mente, a budeidade,
existe agora, mas não é reconhecida.

4.5. Ganhar confiança na explicação sobre a essência com escrituras#

4.5.1. Citação do Ornamento dos Sutras Mahayana#

།གང་ཚེ་རྟོགས་པ་དེ་ཡི་ཚེ། །ཇི་ལྟར་ལྕགས་ལ་ཚ་བ་དང་། །མིག་ལ་རབ་རིབ་ཞི་བ་ལྟར། །སངས་རྒྱས་སེམས་དང་ཡེ་ཤེས་ལ། །ཡོད་དང་མེད་པར་མི་བརྗོད་དོ།

“Quando há realização,1
não dá para dizer que, na budeidade,
a mente existe e a sabedoria não existe2,
assim como o calor do ferro e interferências na visão.”3

1 O processo de remover o que obscurece a budeidade acontece através de estudo, reflexão e meditação (no Mahayana), e através da união das bençãos de um mestre realizado com uma pessoa intensamente devotada (no Vajrayana).

2 NT: Há um jogo de palavras no tibetano com “budeidade”: sangs (purificação) + rgyas (florescimento). Ou seja, a mente é purificada e deixa de existir, já a sabedoria (que estava coberta) aparece e floresce.

3 Quando um ferro em brasa que queima a pele esfria e interferências na visão (como embaçamento) cessam, a brasa e a interferência deixam de existir, e o ferro frio e a visão clara, que já existiam, aparecem. Do mesmo modo, na realização da budeidade, a confusão sobre a realidade termina, como a brasa e o embaçamento. Já a budeidade que estava coberta aparece, como o ferro frio e a visão perfeita.

4.5.2. Citação dos Vinte Versos sobre o Mahayana (de Nagarjuna)#

།དམ་པའི་དོན་དུ་སྐྱེ་མེད་ཕྱིར། །དེ་ཉིད་དུ་ནི་གྲོལ་བའང་མེད། །མཁའ་བཞིན་སངས་རྒྱས་དེ་བཞིན་ཏེ། །སེམས་ཅན་དང་ནི་མཚན་ཉིད་གཅིག །ཚུ་རོལ་ཕ་རོལ་སྐྱེ་མེད་པས། །རང་བཞིན་མྱ་ངན་འདས་པའང་མེད། །དེ་ཕྱིར་འདུས་བྱས་མངོན་པར་སྟོང་། །ཀུན་མཁྱེན་ཡེ་ཤེས་སྤྱོད་ཡུལ་ཡིན།

“Já que em absoluto não há surgimento,
aí também não há liberação.
Assim como é o espaço, desse modo é a budeidade:
ela e seres sencientes têm a mesma qualidade.1
Já que agora (samsara) e depois (nirvana) não surgem,
inerentemente, também não há transcendência do sofrimento.
Por isso, fenômenos compostos são realmente vazios,
sendo o domínio da sabedoria primordial onisciente2.”

1 O espaço não surge, não cessa e é imutável, assim como a natureza buda em suas três fases — a de seres sencientes, bodisatvas e budas. Portanto, seres compartilham essa natureza, apesar de não reconhecerem.

2 Somente a sabedoria da budeidade realiza isso completamente.

4.5.3. Citação do Sublime Contínuo#

།ཕྲ་ཕྱིར་ཐོས་པའི་ཡུལ་མིན་ལ། །དོན་དམ་ཕྱིར་ན་བསམ་པའི་མིན། །ཆོས་ཉིད་ཟབ་ཕྱིར་འཇིག་རྟེན་པའི། །བསྒོམ་པ་ལ་སོགས་ཡུལ་མ་ཡིན།

Por ser sutil, (a natureza buda) não é um objeto de estudo.1
Por ser absoluta, não é uma contemplação.2
Por ser a profunda realidade em si,
não é um objeto de meditações mundanas e outras.3

1 O entendimento conceitual cultivado através do estudo não a penetra, pois ela está além do pensamento e expressão.

2 O entendimento que surge da reflexão e análise também não a penetra, já que é a realidade última.

3 Por transcender características, ela está além de concentrações como os samadhis mundanos da forma e da não forma, e até de meditações budistas como as Quatro Aplicações da Atenção, os elos da originação dependente e as concentrações de shravakas e pratyekabudas.

NT: No Sublime Contínuo, também é discutido o seguinte: “Se é assim tão difícil meditar na natureza buda, por que ela é ensinada para seres ordinários?”

Para erradicar cinco falhas:

  1. A autodepreciação de quem imagina: “Como alguém inferior como eu poderia realizar a iluminação?”. Assim, é impossível cultivar boditchita. Mas, com a explicação da natureza buda, surge entusiasmo e boditchita.

  2. Entre quem tem uma visão distorcida da boditchita, há orgulho e negligência com seres sem a capacidade de cultivá-la. Mas, ao compreender a essência tathagata, todos os seres são vistos de modo equânime, tendo exatamente a mesma natureza, que é a do guru.

  3. A arrogância e desprezo, como acima, impedem a visão da igualdade. Assim, não surge prajna (compreensão da realidade) e é impossível praticar o caminho bodisatva. Mas, ao compreender a natureza buda, surge essa visão.

  4. Quem não tem prajna, como acima, termina se fixando no irreal como sendo real. Mas, ao compreender a budeidade, a sabedoria primordial pode surgir.

  5. Quem considera real o irreal, como acima, não realiza o dharmadhatu. Mas, com o ensinamento sobre a essência, pode realizar mais rapidamente a budeidade.

4.5.4. Sumário do que é ensinado nos sutras e tantras#

།རང་རིག་ཡེ་ཤེས་སྤྱོད་ཡུལ་ཏེ། །རང་བྱུང་དད་པས་དོན་དམ་སྐྱེད། །ཀྱེ་མ་ཚུལ་འདི་མ་རྟོགས་པས། །བྱིས་པ་འཁོར་བའི་རྒྱ་མཚོར་འཁྱམས།

(Essa essência) é o domínio
da sabedoria primordial autorreflexiva.1
A fé que surge espontaneamente dá nascimento ao absoluto.2
Que tristeza! Por não realizarem a maneira como é isto,
seres imaturos vagam pelo oceano da existência cíclica.

1 “Se a natureza buda não é o objeto das práticas mencionadas na estrofe anterior, como realizá-la?” Ela está no domínio de iogues que a realizaram pela força da virtude do cultivo prévio dessa base natural (como mencionado na Seção 4.5.1).

2 Praticando assim, o próprio dharmadhatu aparece como mestres que exibem todas as qualidades, dando origem à confiança e fé. Assim, todas as aparências surgem como o guru, provocando uma devoção infinita — é isso que remove todos os obscurecimentos da natureza absoluta. Como diz Maitreya no Sublime Contínuo: “O aspecto absoluto de tudo que surge espontaneamente deve ser realizado através da própria fé.” Então, compaixão imensa e insuportável surge naturalmente pelos seres de toda existência que não realizaram isso.

5. Resumo de como este texto foi obtido#

5.1. Os meios em si#

།ཐུབ་པ་ཆེན་པོ་འཇམ་དཔལ་དབྱངས། །བྱམས་པ་སྤྱན་རས་གཟིགས་དབང་གི །མཐུ་ཡིས་རང་བྱུང་རྡོ་རྗེས་བྲིས།

Devido ao poder do Sábio (Shakyamuni),
de Manjushri, Maitreya e Avalokiteshvara,
Rangjung Dordje escreveu isto.

5.2. Prece de aspiração#

།འགྲོ་ཀུན་སངས་རྒྱས་སྙིང་པོ་འདི། །མཐར་ཕྱིན་མ་ནོར་ཤེས་པར་ཤོག །སངས་རྒྱས་ཀྱི་སྙིང་པོ་གཏན་ལ་དབབ་པ་རྡོ་རྗེ་ཐེག་པའི་སྙིང་པོ་རྫོགས་སོ།། །།ཤུ་བྷཾ།

Que todos os seres reconheçam esta essência,
de modo final e sem erros!
Isto conclui o estabelecimento definitivo
da essência buda, o coração do Vajrayana.

Shubham (seja propício).