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Oito Versos do Treinamento da Mente#

Ensinamento de Drupön Tsering Drapa

Transcrição da palestra do Dharma realizada em 23 de março de 2021, via videoconferência, para o centro Palpung Lekpun Nang (SP – Brasil). O mestre Drupön Tsering Drapa falou em tibetano, com tradução consecutiva de Emersom Karma Kontchog. Os versos-raiz podem ser baixados aqui.

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Introdução e boas vindas#

Kontchog: … Quem vai dar este ensinamento hoje é o Drupön Tsering — “drupön” é um título que significa mestre de retiro — ou Lama Tsering . Ele é um dos lamas mais experientes da Congregação Palpung, que reúne todos os centros de Dharma da linhagem Palpung.

O Drupön nasceu no Tibete. Depois foi para Índia, e para Ladakh também. Ele realizou o primeiro retiro de três anos há mais ou menos 30 anos, quando houve o primeiro retiro de três anos no monastério Palpung Sherab Ling, na Índia. Um tempo depois, ficou mais três anos em um retiro no templo de Mahakala (do mesmo monastério).

Após isso, ocupou diversas funções no monastério, como mestre ritual (Dorje Lopön) e também como abade de um monastério afiliado em outra parte da Índia.

Também dedicou alguns anos em retiros solitários pelos Himalayas em lugares como Ladakh, Spiti e Tso Pema. Hoje é o mestre de retiro do monastério Palpung Thubten Chöling, no interior de Nova York, que é o monastério principal de Tai Situ Rinpoche nos EUA. … Agora o Drupön Tsering vai começar.

Drupön Tsering: Antes de tudo, todos vocês que vieram hoje para me ouvir são muito gentis. Bem-vindo a todo mundo, tashi delek! (“felizes auspícios!”)

Hoje, conforme solicitado, vou falar sobre os “Oito versos do treinamento da mente”, de Geshe Langri Thangpa. Então vou falar o que sei sobre isso e sobre o que pratiquei, com a intenção de que isso seja de benefício para vocês todos.

Antes de começarmos, é importante tomarmos refúgio. … Depois, haverá uma breve súplica para os lamas da linhagem, que vou fazer mais baixo. Para quem não conhecer as preces, em silêncio pensem “eu tomo refúgio nas Três Joias”, e gerem a mente do despertar (boditchita), ou seja, a motivação de beneficiar todos os seres — isso é extremamente importante.

[preces]

Motivação#

Antes de iniciar o texto, vou falar sobre a motivação que cultivamos mentalmente. Talvez muitos de vocês já sejam budistas veteranos. Para os novos, vou falar brevemente sobre refúgio, mente do despertar e motivação, já que isso é crucial.

No Dharma, a motivação é extremamente importante. O que é motivação? Por exemplo, hoje há uma palestra do Dharma. Eu vou falar, vocês vão escutar, correto? Geralmente, quando estudamos, nossos objetivos são para esta vida — por exemplo adquirir bens como comida, roupas etc, e para cuidarmos das pessoas próximas. Já uma mentalidade de beneficiar mais seres não é comum.

Mas hoje, durante uma hora e meia, ao escutar, a motivação não deve estar restrita à obtenção de benefícios para esta vida [para fins egoístas ou materiais], mas sim almejando as vidas futuras. “Vou escutar o Dharma para poder beneficiar todos os seres sencientes.” Uma mentalidade assim, com essa motivação, é imprescindível.

Refúgio e mente do despertar#

O significado de “tomar refúgio” não se limita a essas coisas (benefícios para esta vida), mas sim para podermos estabelecer os seres na esfera da budeidade. Para isso, nós tomamos refúgio.

Os objetos do refúgio são três ­— vocês budistas antigos sabem disso: a joia do Buda, a joia do Dharma e a joia da Sangha. Entre elas, o Buda é quem mostra o caminho. O Dharma é aquilo que treinamos em um tipo de caminho: trilhamos isso e, no final, há a budeidade — funciona assim. E, ao entrar no caminho, temos companhia, são como amigos. Isso é a Sangha. Então tomamos refúgio. É assim que é ensinado.

Depois, o segundo ponto, após tomarmos refúgio, é dar nascimento à mente do despertar, algo extremamente importante, que é bem similar à motivação. O que é essa mente? É a suprema boditchita, na qual meditamos.

A essência da boditchita se refere a duas palavras: “djang” + “tchub” [palavra tibetana para despertar ou budeidade]. “Djang” se refere a purificarmos as aflições em nossa mente: como o apego, aversão e ignorância que temos. “Tchub” é sobre realizarmos a sabedoria primordial do Buda. Para fazer isso, agora temos que praticar.

Ou seja, na mente do Buda há qualidades e, ao purificarmos nossas aflições, realizaremos essa sabedoria primordial do Buda.

Qualidades iluminadas#

Resumidamente, para obter essa consumação (“tchub”), a sabedoria primordial do Buda, nós pedimos como se isso estivesse fora, mas na verdade essas qualidades do Buda, sua sabedoria, não estão fora em absoluto. Como dar nascimento a essas qualidades iluminadas em nossa mente?

Isso tudo de fato já existe dentro de nós. No entanto, não reconhecemos. Para reconhecermos, tomamos refúgio nas Três Joias, treinamos a mente e praticamos.

Nesse treinamento, já que em nosso fluxo mental não reconhecemos essas qualidades iluminadas, como fazer para reconhecer? Em nossa mente, temos os cinco venenos: ignorância, apego, aversão, orgulho e inveja. É isso que obscurece essas qualidades. Assim, para começar, a primeira atitude mental é tomar refúgio nas Três Joias e gerar boditchita.

Então, com o corpo, fazemos prostrações, oferendas e tudo mais. Com a fala, há as diversas recitações para o benefício alheio. Com a mente, há as práticas de shamata e vipashyana, e os diversos tipos de samadhi.

Assim, gradualmente, nossas falhas vão reduzindo e, então, a sabedoria primordial do Buda vai se tornando manifesta.

Três excelências#

Hoje o assunto são os “Oito versos do treinamento da mente”. Essa prática é o tópico principal. Mas como praticar o Dharma em geral? Precisamos usar as Três Excelências.

A primeira excelência já foi apresentada: refúgio e mente do despertar. Isso tem que ser feito.

Já na parte principal, a segunda excelência, não há fixação (muitas expectativas) na prática. Isso garante uma boa execução.

Por último, na terceira excelência, ao concluir a prática, dedicamos as raízes de virtude para todos os seres sencientes, com uma motivação pura. Dedicamos o mérito e fazemos preces de aspirações. Isso é muito importante.

Estas são as três excelências. No início, refúgio e boditchita. No meio, há a prática principal (sem fixação) — como por exemplo, Tchenrezig, este texto ou outra prática. No final, fazemos a dedicação e aspirações. Isso tudo é essencial.

O que é dedicar e fazer aspirações? Aspiramos, por exemplo, “que os obstáculos para esta vida sejam removidos”. Hoje há tanta angústia, há dificuldades imensas no mundo. “Em todos os lugares, que isso seja pacificado!”, rezamos assim às Três Joias, ou do modo que seja mais adequado para você.

Aí no final, aspiramos “que todos os seres realizem a budeidade”. Isso é dedicar o mérito e fazer aspirações. Qualquer que seja o mérito, qualquer que tenha sido a prática, “através delas que isso tudo possa ser realizado”.

O autor#

Langri Thangpa era um geshe Kadampa, foi ele quem proferiu esses versos. Sobre a linhagem, ela começa com o Buda Bhagavan Shakyamuni, passa por Nagarjuna e chegou até mim através do 17º Karmapa (Ogyen Trinle Dorje).

Sobre Geshe Langthang, não estudei a fundo sua biografia, mas vou comentar um pouco. Ele tinha um semblante sombrio. Em toda vida, se diz que não soltou uma risada. O motivo era o sofrimento no samsara. As pessoas se apegam, enfrentam dificuldades, cometem negatividades, sofrem, morrem. E, após a morte, há mais angústia nos infernos etc. Ao contemplar isso por toda vida, ele não sorria.

Mas uma vez soltou uma risada. Isso está em sua biografia. Foi assim: em sua mandala de oferenda, havia uma pedra semipreciosa. Um camundongo apareceu e tentou pegar essa pedra, mas ele era muito pequeno. Então fez um som “tsi tsi tsi”, chamando outros para ajudá-lo, e a levaram. Então, ele soltou uma boa risada, a única em sua vida.

1 – Fixação no eu#

Agora vamos começar com os versos, que divididos em grupos de quatro somam oito estrofes — é por isso que se chamam “Oito versos”. Farei o melhor que puder para explicá-los.

Com a intenção de realizar o bem supremo,
que eu sempre possa prezar
e estimar todos os seres,
superiores à joia dos desejos.

(Em tibetano) o verso começa com “eu”: “que EU sempre possa prezar e estimar…”. Nós dizemos sempre “eu, eu…”. Cada um de nós tem essa ideia de ser um eu. “Esta é minha roupa. Este é meu corpo. Estou triste. Estou doente. Estou com calor.” Todos pensamos assim.

Mas se analisarmos a nós mesmos meticulosamente — se o eu existe ou não, onde ele está no corpo etc — no final, isso não é encontrado. Não há como encontrar quem diz “eu”. Porque esse corpo, que tem uma boca, olhos e tudo mais — e que chamamos de “eu” ou “meu” — no futuro quando morrermos, vai se desintegrar, não vai mais sentir. Após a morte, esse corpo não mais sentirá calor, não mais ficará doente. Por isso, esse corpo não é o eu.

Assim, o eu se refere à mente. Não encontramos onde ela está, analisamos e não achamos nenhuma mente. No entanto, em vidas futuras teremos outros corpos. Então, não é que não existe mente de modo nenhum.

Como teremos outro corpo? Baseado em apego e aversão, podemos ter diferentes tipos de corpos. Ao sentir apego ou aversão por determinadas pessoas ou situações, o karma gerado define o tipo de renascimento.

Mas, no final, se eliminarmos o apego e aversão, eliminamos a ideia do eu. São essas aflições e a ignorância que criam a existência cíclica. O eu se baseia nisso, elas são sua raiz. Ao não encontrar o eu, ver que ele não tem uma base, então não há mais uma base também para o apego e aversão.

Apego é quando dizemos “meu amigo, meu corpo etc”. Aversão é não gostar de alguma outra coisa. Ao desenraizar o eu, que é a base dessas atitudes, elas também são cortadas. É por isso que devemos abandonar a fixação no eu.

Mas abandonar a fixação no eu completamente agora para nós é difícil, não conseguimos. No entanto, reduzindo o apego e aversão, aquilo que diz “eu” vai ficando mais fraco. Por exemplo, ao vermos alguém que não gostamos, sentimos raiva instantaneamente. Então, ir se acostumando a não cultivar isso traz muitos benefícios.

Fazer o eu desaparecer de uma hora para outra — “Pronto, agora o eu não existe!” — não funciona. Mas após diminuir o apego e aversão gradualmente, há a experiência de que não há uma base para o eu. Surge primeiro aqui, depois ali… E, assim, a fixação vai ficando cada vez mais fraca.

Amor e compaixão#

Então, o texto diz:

…e estimar todos os seres,
superiores à joia dos desejos.

Algo superior à joia dos desejos é muito valioso: dentro de nosso fluxo mental, a essência da mente é a budeidade, certo? Ao purificar todas as aflições, a natureza é a budeidade. Isso existe na mente de cada um. Então, após reconhecermos isso, é inevitável termos uma atitude de beneficiar os outros. Há budeidade no fluxo mental de todos, então…

Com a intenção de realizar o bem supremo,
que eu sempre possa prezar
e estimar todos os seres…

O significado disso é que não há outro método para realizar a esfera da budeidade além do amor e compaixão. “Que eu sempre possa prezar e estimar todos os seres” com amor e compaixão. Isso tem um benefício imenso. Assim, estabelecer essa conexão interdependente com todos os seres é extremamente importante.

2 – Humildade#

Na segunda estrofe,

Com qualquer um que encontre,
que eu possa me ver como a mais simples de todas
e, com intenção sincera, que eu
aprecie os outros como supremos.

Onde quer que estejamos ­— por exemplo, vocês estão no Brasil; eu, em Nova York — com qualquer pessoa que tenhamos contato, reduzimos o orgulho. Podemos estar no meio de muitas pessoas, ou apenas algumas, mas nos vemos como inferiores. Dispensamos o orgulho de nos achar melhor do que todos os outros.

Ao praticar o Dharma, podemos pensar: “Isso é difícil, não entendo os textos, não sou adequado”. Não devemos nos rebaixar assim. Devemos nos esforçar em direção às qualidades mencionadas. “Não sou adequada para praticar até a iluminação…”, pensar isso não é bom. Não se trata de nos rebaixarmos. Precisamos nos esforçar no treinamento da mente.

Em relação a todos os outros, “que eu possa me ver como a mais simples”. Ser a pessoa mais humilde de todas se refere apenas a reduzir o orgulho. Não tem absolutamente nada a ver com um senso de inferioridade, com imaginar-se imprestável. “Para destruir o orgulho, vejo os outros como excelentes, mas eu mesmo não sou. Entre todos, sou o mais humilde”, pensar assim reduz o orgulho e vai colocando de lado a fixação no eu.

Há um exemplo que ilustra o motivo de precisarmos pensar assim. Um lago fica em uma área mais baixa em relação à montanha elevada. Mas, quando chove, toda a água que cai lá em cima, no final, flui para o lago lá embaixo. Da mesma maneira, imaginar-se mais baixo não é depreciar-se. Isso é a base para desenvolvermos qualidades.

3 – Contramedida#

A estrofe 3 diz:

Que em minha mente, durante todas atividades,
assim que surgirem aflições conceituais e emocionais,
danosas para mim e os outros,
que eu possa neutralizá-las de modo enérgico e direto.

Em tudo que fazemos — no trabalho, ao se deitar para dormir, ao comer — examinar constantemente como está nosso fluxo mental é extremamente importante. Então, se aparecerem aflições— por exemplo, sentimento de superioridade em relação à outra pessoa, ou inveja — é fundamental eliminá-las “assim que surgirem”.

Às vezes, se não examinamos bem — com atenção, vigilância e cuidado — mesmo sendo praticantes, aflições como raiva podem surgir livremente. Assim, ao não praticar de modo apropriado, nos tornamos como alguém sem nenhum conhecimento ou prática do Dharma, que explode de raiva com qualquer coisa, por exemplo ­— isso não é bom.

“Que eu possa neutralizá-las de modo enérgico e direto.” Isso significa: no primeiro sinal do surgimento de uma aflição, percebemos e cortamos. Já se houver um estado mental virtuoso, mantemos isso, como uma meditação de calmo descansar (shamata). E neutralizamos o desejo, o orgulho etc. Isso é essencial: um “modo enérgico e direto”.

Além disso, essa expressão se refere também ao seguinte: quando surgir uma aflição como orgulho ou inveja, se pensarmos “depois eu lido com isso, agora não. No futuro farei isso”, reduzir os venenos mentais fica difícil. Neutralizá-los no próprio surgimento é indispensável. Se isso não for feito, se ficarmos adiando, não vai funcionar.

4 – Pessoas difíceis#

Esse texto se chama “Oito versos do treinamento da mente”. Treinar a mente é indispensável. O que isso significa? Para nós — incluindo a mim — inveja, aversão e orgulho podem surgir. Então, nesse momento, treinamos a mente. Se alguém diz algo ruim para nós e respondemos do mesmo modo, aí não há treinamento da mente. Para sermos bem tratados, precisamos tratar bem os outros, e não responder com palavras ruins.

Assim, a estrofe 4 diz:

Ao ver seres de caráter cruel,
afligidos por negatividade e sofrimento intensos,
que eu possa estimá-los como um
tesouro precioso, muito difícil de encontrar.

Isso é treinar a mente. Ao encontrar uma pessoa do tipo raivosa, irritadiça, orgulhosa etc, se recebermos palavras raivosas, por exemplo, e respondermos do mesmo modo, não há treinamento da mente. É com base em encontros assim que podemos treinar. Ao ver alguém que não gostamos, cultivamos a mente do despertar, e isso purifica as aflições em nosso fluxo mental. “Treinar” também significa “purificar”.

Aqui se fala em pessoas de “caráter cruel”. Nós temos em nossa mente aflições em relação a elas. Para lidar com isso, precisamos treinar a mente. Então, fazemos o máximo para “estimá-los como um tesouro precioso, muito difícil de encontrar”.

Uma pessoa difícil provoca sofrimento, dificuldades. Faz parte da prática do Dharma desafios como doença e desconfortos que podem surgir. Então alguém ou algo que nos desafia é indispensável. “Tomara que não encontre nada assim”, não alimente esse tipo de expectativa.

Encontrar pessoas difíceis, ou encontrar dificuldades para praticar, como doença, é “como um tesouro precioso” — são os desafios que temos para praticar o Dharma. Assim, surge um excelente treinamento, “muito difícil de encontrar”. Então devemos nos regozijar com isso.

5 – Abrir mão da vitória#

Continuando, na estrofe 5:

Se alguém que tenha inveja de mim,
inaceitavelmente me lançar injúrias,
tomando para mim a derrota,
que eu possa oferecer-lhe a vitória.

Isso significa: se uma pessoa tiver inveja de mim e, de modo injusto e sem razão, criar todo tipo de dificuldade, lançando diversas injúrias, isso cria problema, não? Mas não devemos devolver a maledicência, e sim nos esforçarmos no treinamento da mente com tais impropriedades. “Derrota” é ficar com a desvirtude que a pessoa está lançando. “Oferecer-lhe a vitória” é reconhecer que não há outro método a não ser treinar a mente.

Isso porque não há um eu — a raiz disso não é encontrada — como disse no começo. Quando mantemos esse eu, há uma fixação e apego muito fortes. Mas se houver um bom treinamento da mente, é possível tomar a derrota e oferecer a vitória. É por isso que treinar a mente é o elemento central da prática do Dharma.

Há esses versos ligados ao treinamento da mente que sempre recitamos:

Na felicidade, dedico meu conforto para todos:
que benefícios e bem-estar preencham o espaço.
Na tristeza, tomo o desconforto para mim:
que o oceano de sofrimento do samsara seja esvaziado.

Isso é o treinamento. Como funciona? Quando estamos contentes, não há outra coisa a fazer, além de pensar: “Isso é resultado do mérito que criei, da acumulação de virtude que dediquei com bondade, da compaixão das Três Joias. Eu dedico esse bem-estar para os seres.” Fazemos isso apenas mentalmente, porque não temos o poder de realmente transferir esse mérito para os outros. Então mentalmente fazemos a aspiração: “Que todos os seres desfrutem desse bem-estar.” Esse é o método de treinar a mente.

Continuando: “Na tristeza, tomo o desconforto para mim: que o oceano de sofrimento do samsara seja esvaziado.” Às vezes nosso corpo adoece, ou passamos por coisas que não queremos, isso acontece. Nessa hora, em vez de ficar pensando “como isso é ruim!”, reconheça que vários outros seres sofrem assim e cultive a aspiração de que eles não passem por isso, de que “através deste sofrimento, que eu apenas vivencie isso”.

Neste período tem a pandemia do coronavírus. Nós temos o desejo de que as pessoas não peguem essa doença, certo? “(Para proteger os outros) tudo bem se apenas eu pegar”, é a essa motivação de beneficiar os outros que se refere o verso “tomo o desconforto para mim: que o oceano de sofrimento do samsara seja esvaziado.” Então, fazer isso — “ofereço meu conforto, tomo o sofrimento alheio” — é um treinamento da mente indispensável.

Isso não se refere a realmente tomar para si a doença dos outros — não temos capacidade para fazer isso, não vai acontecer. O importante é treinar a mente, ter a aspiração e o desejo de ajudar assim.

6 – Retribuição#

A estrofe 6 diz:

Quando alguém a quem beneficiei
com grande expectativa
me prejudicar de modo extremamente injusto,
que eu possa considerá-la como um mestre espiritual sagrado.

Pode haver alguma pessoa que ajudamos, por exemplo com ensinamentos, alguém que foi beneficiada por nós, e retribui nos prejudicando. Pessoas assim existem. Se isso acontecer, praticamos o Dharma conforme o Dharma, e vemos essa pessoa como um professor, sem nos enraivecer.

7 – Ajudar sempre#

Estrofe 7:

Em resumo, ao oferecer ajuda e conforto,
de modo direto ou indireto,
a todas minhas mães, que eu possa
secretamente tomar toda sua angústia e dores.

“Em resumo” significa “condensando tudo em um ponto”. “De modo direto” se refere a beneficiar, por exemplo, ensinando o Dharma, aliviando as dificuldades de alguém — ou seja, ajudar diretamente. O modo indireto é beneficiar, por exemplo, fazendo uma prece de aspiração para alguém etc.

“Oferecer ajuda e conforto” é dar ajuda material, tratamento contra doenças, ajudar com o Dharma — esse tipo de ação, incluindo a motivação de que isso contribua para o benefício final de estabelecer a todos na budeidade. Ajudar a todos dessa forma é importante.

Continuando: “… a todas minhas mães, que eu possa secretamente tomar toda sua angústia e dores.” Isso é bem importante: cada um de todos os seres foram nossas mães. Nossa mãe foi extremamente bondosa conosco, certo? Em inúmeros renascimentos sem um começo, tivemos diferentes corpos. Assim, o número de mães que tivemos também é incontável. Então não há um único ser que não tenha sido nosso pai ou mãe. Esse é o motivo de, reconhecendo isso, oferecemos nosso mérito para todos os seres, e tomarmos seu sofrimento para nós.

Doar nosso conforto não significa pegar nossos bens materiais e entregar para os outros. Se refere a toda virtude que tenhamos realizado com corpo, fala e mente. Com o corpo, meditamos, fazemos prostrações e várias outras coisas. Com a fala, recitamos preces pelo bem alheio. Com a mente, nos mantemos em concentração meditativa. Doamos essas virtudes aos seres sencientes.

Tomamos o sofrimento dos outros mentalmente, neste estágio. Não se trata de sair procurando externamente por algum sofrimento para pegar. Não devemos fazer isso. É uma prática individual e mental. Fazemos tudo isso secretamente, não saímos por aí falando o que estamos fazendo.

8 – Preocupações mundanas & vacuidade#

Na última estrofe:

Sem contaminar isso tudo
com as máculas mentais das oito preocupações mundanas,
reconhecendo todos os fenômenos como ilusórios,
que eu possa — sem apego — me libertar dessa prisão.

Então não devemos misturar essa prática de doar a virtude e tomar o sofrimento alheio com as oito preocupações mundanas. Quais são elas? Se preocupar com reputação, ganho, prazer e elogios (e temer seus opostos: má reputação, perda, desconforto e crítica), totalizando oito preocupações. Isso não deve manchar a prática do Dharma.

A metade final da estrofe é : “reconhecendo todos os fenômenos como ilusórios, que eu possa — sem apego — me libertar dessa prisão.” A prática do treinamento da mente deve ser inseparável da visão da vacuidade. O treinamento em si se refere à conduta, já não se separar da visão significa reconhecer os fenômenos como ilusórios. Fenômenos como nós, eu aqui, vocês aí, o mundo, o Brasil, os Estados Unidos… Isso tudo são como ilusões mágicas. Não devemos nos apegar.

O que é a visão da vacuidade? Por exemplo, pensamos “sou poderoso nos EUA, no Brasil. Tenho uma casa bonita. Tenho um bom trabalho. Tenho um bom treinamento da mente.” Não nos fixamos assim. O motivo é que não há como estabelecer os fenômenos como sendo verdadeiros. São impermanentes. Uma dia tudo vai deixar de existir.

Caso não tenhamos apego, estaremos livres dessas amarras — aflições, desejo etc. É isso que nos prende. Que possamos nos libertar disso, diz o verso. Assim, Geshe Langri Thangpa praticava do modo como está descrito nesta prece de aspiração (os oito versos).

Perguntas#

Pergunta: Tashi delek, Lama! Queria saber a respeito desse verso sobre confrontar as emoções aflitivas. Como fazer isso na prática? Sem suprimir as emoções — segundo a psicologia, isso não é tão positivo.

Drupön Tsering: Esse termo “neutralizá-las de modo enérgico e direto” (verso 2) significa não deixar isso para depois, mas agir no momento em que as aflições surgirem. Reconhecemos que elas não tem uma realidade estabelecida, que nós estamos confusos. Nosso próprio eu também não tem realidade inerente, como disse no começo. O eu vem com muitas aflições, mas nada disso tem realidade verdadeira. Se não pudermos neutralizá-las desse modo assim que surgirem, elas crescem e explodem. É por isso que precisamos fazer isso.

Pergunta: Foi mencionado que quando surgirem pessoas ou situações difíceis, consideramos isso como supremo, não só as pessoas mas também as dificuldades da vida. Quando tenho dificuldades, entendo intelectualmente que elas podem ser boas para a prática. Mas penso também que isso surge devido ao karma que criei. Eu não sei o tamanho disso e minha preocupação passa a ser todo o karma futuro que virá. Gostaria que o Lama comentasse sobre isso.

Drupön Tsering: Quando surgirem dificuldades, alguém nos prejudicar, roubar, quando houver um pessoa difícil, consideramos isso como um tesouro, uma oportunidade preciosa, cultivamos a mente do despertar. É isso que diz o verso (4). Devemos nos regozijar.

Quando surgirem diversas dificuldades como falta de dinheiro, falta de comida — coisas que acontecem devido ao karma que acumulamos — reconhecemos isso e, para evitar coisas assim no futuro, devemos praticar o Dharma, praticar o treinamento da mente. Seu pensamento de que essas coisas são fruto do karma está correto, é assim mesmo. Em nossa vida, jamais irá acontecer algo que não é nosso karma. No entanto, esse karma é purificável. É possível extingui-lo, para que não amadureça no futuro. Se praticarmos o Dharma corretamente, o karma é purificado.

Por exemplo, uma faísca minúscula tem o poder de queimar toda uma montanha de palha. Assim a virtude tem o poder de purificar o karma dos reinos inferiores. Do mesmo modo, a raiva pode destruir uma montanha de virtude. O surgimento da boditchita e da sabedoria da vacuidade por apenas um instante tem o poder de purificar eras de desvirtude, disse o Buda.

Então, se tivermos cometido desvirtudes, praticar o treinamento da mente as purifica, e vida após a vida vamos progredindo em direção à budeidade. Meios hábeis assim existem, para se realizar a iluminação.

Pergunta: Como gerar compaixão por seres que estão causando muito sofrimento? Por exemplo, agora na pandemia há seres que estão contribuindo para muitas mortes. É difícil aceitar isso e ter compaixão por eles. Como no caso do Brasil agora.

Drupön Tsering: É assim mesmo com pessoas que não gostamos. Raiva e outras aflições surgem. É como no comentário sobre o primeiro verso. Estamos constantemente pensando: “Eu aqui, ele ali…”. Com base nisso, inveja, raiva etc surgem. Então realizamos o treinamento da mente, como no primeiro verso:

Com a intenção de realizar o bem supremo,
que eu sempre possa prezar
e estimar todos os seres,
superiores à joia dos desejos.

Aí, no final, essas aflições vão se extinguir. Sem isso, se simplesmente nos fixarmos no outro como algo ruim, não vai funcionar. Não há outro método. Isso acontece porque quando analisamos isso que chamamos de “eu” — de onde vem, como é — isso surge junto com as aflições: gostar disso, não gostar daquilo, ou desse presidente. Isso tudo se baseia na fixação no eu.

Se examinarmos, temos que cortar isso, acabar com essa fixação. Se não, é muito difícil. Se não praticarmos como no primeiro verso, neutralizando a fixação no ego, vamos continuar com apego e aversão.

Um presidente, se ele é ruim ou não, no futuro ele sofrerá também essas dificuldades. Qualquer pessoa com uma conduta prejudicial passará por isso. Então, o meio hábil do treinamento da mente é esse: cultivamos amor e compaixão. Isso é muito importante.

Um presidente tem o dever de fazer o melhor para a população. Se ele age de modo errado, se comete barbaridades, além de cultivarmos compaixão, há pouco o que fazer além de deixar isso para as instituições responsáveis tomarem as medidas adequadas.

Dedicação#

Então no final (entre as três excelências), agora vem a dedicação. Dedicamos assim: “Hoje as raízes de virtude desta prática do Dharma, da virtude acumulada no presente, passado e futuro, dedico para que os seres que preenchem todo o espaço realizem a budeidade. Especialmente, fazemos a aspiração de que seja aliviada a grave situação da pandemia no Brasil, de que as pessoas estejam protegidas da doença. Faremos essa aspiração juntos.”

[prece]

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Vamos fazer agora um minuto de meditação shamata na respiração. Focamos a atenção na respiração entrando, permanecendo e saindo, sem distração.

[meditação, seguida da prece:]

Possa a suprema mente do despertar
Nascer onde não tiver nascido,
Não degenerar onde tiver surgido
E se multiplicar sempre e sempre mais.

Boa noite para todo mundo! Tenham cuidado com o coronavírus. Estarei rezando pela proteção de todos.